Taturana Bezerra

Esse romance é a adaptação perfeita no non-sense. Esse estado de “non-sense” surge embutido ao longo de todo o texto, de tal sorte que verificar esse pormenor é uma tarefa iconoclasta, a dizer-se a verdade. A personagem principal desse romance é um tal Krojac – evidente referência ao herói da televisão dos Estados Unidos, interpretado por Telly Savalas -, homem destituído de grandezas materiais e que se socorre de ideias e faz contrapontos entre o mundo real e a possibilidade de conhecimento da alma humana. Tudo no romance faz referência ao óbvio e a maioria das encenações demonstra que esse óbvio pode ser enxergado sob vários aspectos. Isso acaba por matizar o romance de uma maneira inequívoca e transcendental, a ponto de forma o anti-anti-herói de maior complexidade do qual se pode ter notícia.
O cenário escolhido para esse romance é o comércio de São José de Mossâmedes, no interior mais sucinto do grande estado de Goiás. Trata-se de um lugar aparentemente despretensioso, sem abstrações quaisquer e nada ali parece se relacionar com a grandeza de todos os elementos. Mas isso é uma inglória ideia, pensar assim é desafiar o mesmismo das produções anteriores encontradas no Brasil. O livro é bastante complexo, entende em todo o texto que o comportamento humano pode ser deslindado através da obstinação das existências dos homens e das suas relações interpessoais. De tal maneira isso fica evidente que a personagem em causa, esse Krojac, vive um espinhoso mundo de contravenções e movimentos de idiossincrasia. O mundo em torno o reconhece como um sujeito doido e ele reconhece tudo em torno de si mesmo como produto estereotipado da vida que se pode viver sem confusões.
Porém, Krojac parece demonstrar que a confusão vem ao seu encontro, por onde passa deixa um rastro de certa iniquidade. Esse modo de ser dentro de seu mundo de contravenções o torna uma personagem única em todo o cenário da Literatura Universal. De tal sorte é uma figura absurda que, vista pelo ângulo da imaginação e do gozo das escritas mais sutis, acaba sendo hilária em alguns pontos de seu modo de agir. Há uma oscilação comportamental enorme em todos os passos da personagem. De tal sorte que, sendo uma figura com esse estilo confundível, deixa de ser previsível em todos os seus momentos. Tomado pela angústia quixotesca da existência, pela sonoridade que advém das criaturas desprotegidas e pobres dentro do mundo, Krojac acaba por se tornar um veraz cavaleiro sem armas que valham alguma coisa em seu sentido bélico.
O que torna esse compêndio um grande estudo de Literatura Aplicada é o confronto pacífico entre o Criador supremo – pelo menos é assim que se considera a personagem, apesar de isso ser dito de forma disfarçada – e o Criador secundário, com seu estilo jornalístico e volúvel, medíocre -, o boticário Mendes. Mendes desliza por todo o romance e acaba por erigir nele uma figura também impar e muito humana. Sua totalidade é humanitária. A aplicação de suas leis e de suas ideias são deveras o polo oposto do doido. Enquanto um age com a razão pespontada em todos os seus recursos, o outro se recompõe continuidade na explicação de que tudo nessa vida deve e pode ser razoável.
Ademais, quando surge no meio do mundo sem cores a figura da Marianja, estereótipo muito bem elaborado de um desejo aflorado – alter ego da supremacia feminina e suas representações que misturam frivolidade e necessidade humoral -, tudo se transforma para uma beleza esplêndida em vida da personagem central do romance. Com essa renovação, o mundo dos insetos mais inúteis em vida de Krojac acaba por se renovar e surge a loquacidade da grande taturana, a bezerra, larva com teor perigoso ao contato com as peles desprotegidas. A taturana bezerra eclode no romance de uma maneira muito vivaz e interessante e acaba mesmo por dar a ele o título envolvente que traz na sua imagem e concepção. Com tal enredo, fecham-se as cortinas desse recorte de universo.