Sob as Sombras de Laços Translúcidos

“Para onde são endereçadas tais esperanças? Quem recebe as preces dos que temem e sofrem? E quem é capaz de ouvir seus pensamentos enquanto fecham os olhos e sentem espremer o coração? Para aqueles que creem, em Deus está o destinatário de suas súplicas, ainda que recorram a figuras intermediárias na hierarquia celeste. Se são atendidas, nota-se a causalidade entre a fé e a graça, que em alguns casos alcança até mesmo a categoria de milagre. Pois assegurou Jesus que nada que o filho pedisse ao pai seria negado. Mas é absolutamente necessário que a fé seja verdadeira, isenta de dúvidas, para que se realize a intervenção divina. Duvidar é crer na possibilidade de não serem concedidas as bençãos, o que por consequência lógica implica não acreditar na onipotência e benevolência divinas. Assim, não sendo atendidas as aflitas súplicas, a justificativa pode se encontrar na frágil fé do suplicante – que a rigor não é fé, conforme já se concluiu. Também podem explicar a omissão divina o baixo mérito do pedido – afinal nem tudo está a merecer a drástica suspensão das leis da física ou a manipulação dos fenômenos biológicos – ou a existência de razões misteriosas e inapreensíveis para a modesta inteligência dos mortais, compreendidas apenas por Deus, quem escreve certo por linhas tortas. Já para aqueles que não creem, se não podem se socorrer da ciência, as esperanças se concentram em que estejam livres do Acaso, este demônio cego e sem pudor, o “diabo na rua no meio do redemoinho”, croupier da existência, o Ignoto que faz vítimas aleatoriamente, sem critério e sem aviso. Pois como bem observou o próprio diabo nas letras de Bulgákov, a mortalidade do ser humano é apenas metade da desgraça; “O ruim é que as vezes ele é mortal de repente”. (Trecho do livro Sob as Sombras de Laços Translúcidos – Humberto A. V. Lima)