Preço da Intolerância

No livro “Sociedade Com Custo Marginal Zero”, o Jeremy Rifkin descreveu com muita propriedade as vantagens da abundância dos recursos gerados pelo custo marginal zero. Entretanto ele pouco ou nada falou sobre as desvantagens.

A mãe natureza que todos nós devemos proteger e preservar é implacável em relação ao equilíbrio. Existe um claro emaranhamento quântico entre as vantagens e desvantagens.

O par formado pelas vantagens e desvantagens é inseparável. A falta de entendimento sobre as desvantagens não faz elas inexistentes. Elas estão apenas ocultas.

O universo virtual das redes sociais, do comércio eletrônico, das transações digitais, da realidade aumentada, virtual, mista etc. está em um claro ciclo de abundância, ou seja, custo marginal zero.

À primeira vista estamos falando de uma grande vantagem. Recursos abundantes para todos. Fim da era dos recursos escassos.

Todas estas palavras nos levam a crer que a sociedade humana está caminhando para o melhor dos mundos. No entanto, após a explosão da oferta virtual, o mundo vem enfrentando uma série permanente de revoltas, revoluções, manifestações violentas etc. Não é o ambiente esperado para a abundância de recursos.

Se o custo marginal zero reduziu as despesas das pessoas, então elas deveriam estar mais felizes. O que vemos nas revoltas de 2019 de Hong Kong, França, Espanha, Líbano, Chile, Colômbia etc. são pessoas menos felizes. Vemos no mundo inteiro um aumento da radicalização das opiniões.

Muitos cientistas sociais estão buscando explicações sobre qual é o gatilho que fez uma parte da sociedade reagir tão violentamente contra medidas que mudam muito pouco o seu estilo de vida.

Alguns falaram no aumento na passagem do ônibus, outros nos problemas da aposentadoria, outros no imposto para as ligações pelo WhatsApp etc. Nenhuma destas explicações é logicamente consistente.

O fato é que ainda não temos uma explicação convincente do fenômeno. Isto significa que é preciso entender com maior profundidade qual é o real impacto da abundância de recursos gerada pela economia digital no cotidiano da sociedade.

Antigamente no mundo da escassez de recursos, era muito caro o custo para criar um canal ou programa de televisão ou para publicar um jornal ou uma revista ou um artigo.

A característica de custo elevado fez com que as pessoas acessassem apenas alguns dos poucos canais de televisão ou jornais ou revistas ou artigos existentes.
Como a quantidade de opções para receber informações e opiniões era limitada e cara, o custo elevado das informações causado pela escassez de recursos criou um ambiente onde as pessoas tinham que escolher apenas alguns canais de televisão ou rádio ou jornais ou revistas existentes para receber as informações e opiniões. Era praticamente impossível encontrar nesta época um artigo produzido de forma independente.

Em outras palavras, a característica de escassez fez com que as pessoas fossem obrigadas a conviver no seu dia-a-dia com as mídias de conteúdo plural e antagônico. A moda na época era o pluralismo nas redações. Muitos programas de televisão e rádio foram criados para serem polêmicos.

As pessoas que interagiam com estes programas através do fax, telefone ou carta escutavam com atenção tanto as opiniões que elas concordaram, como as que elas discordavam.

Era um ambiente que incentivava o desenvolvimento da habilidade de tolerância. A política de pluralismo das redações da imprensa criou um ambiente onde o antagonismo estava presente diariamente. A liberdade de imprensa fez com que as diversas opiniões fossem expressas publicamente.

Em alguns programas de opiniões existia a política de iniciar os debates com duas visões diametralmente opostas. Em geral, as redações adotavam a política de que para cada fato ou opinião publicada tinha que existir o mesmo espaço para o que era chamado “do outro lado”.