Vampiros: Festim de Sangue

“No que você se tornou?”

O pai olhou o rosto transfigurado do filho, mas não era medo, era julgamento, reprovação. O cão e os cinco filhotes não estavam latindo, pararam repentinamente na madrugada. Os ganidos foram, um a um, sendo silenciados.

“No que você se tornou?” As presas para fora mal deixavam Pedro fechar a boca, os olhos vermelhos, tomados de raias escurecidas brilharam o fundo reflexivo na luz da lanterna do celular que o pai lhe apontava. Defendeu as vistas com a mão e os braços ensangüentados, sujou as mangas do moletom surrado com o sangue que encharcava sua boca e maxilar.

“Fale! No que você se tornou?” Ordenou uma última vez diante do horror presenciado, só que não era à criatura da noite, o vampiro, a que o genitor se referia… ele falava do humano dentro do filho. Hermes já havia visto isso antes, infelizmente sabia que os sanguessugas eram reais. Lidou com um deles durante uma boa parte da vida, até encontrá-lo num buraco fétido e arrancar sua cabeça enquanto dormia. Soube o que seu filho virara ainda na primeira semana, o comportamento… ele conhecia! Mas ainda nutria esperanças de que a educação que deu a Pedro o salvasse da desgraça. Mas não… Hermes acreditou que seu filho havia sucumbido irremediavelmente.(…)”

Como o prólogo diz, os vampiros dos contos são nossas sombras, a escuridão que carregamos como indivíduo ou sociedade, transformada em um sanguessuga.

A pergunta que fiz para cada enredo foi: e se um vampiro fosse…

… A solidão, em Sal da Terra. Onde reflito questões sobre maternidade e abandono.

…um relacionamento abusivo e a romantização da monogamia. Em “Você será minha para sempre” trago como tema a romantização do relacionamento como uma das portas de entrada para relações tóxicas e abusivas, cujo ideário está enraizado nos padrões sistêmicos e sociais de relacionamentos.

…uma relação geracional problemática. Em “tal mestra, tal cria” trago a necessidade de quebrar vínculos tóxicos que acreditamos que devam ser mantidos a qualquer custo, porque são geracionais. Também discuto a quebra de ciclos geracionais de abuso e comportamento.

…o fascismo. Em “Novo Mundo” faço um exercício pensando no avanço da agenda fascista, caso ela tivesse ocorrido em 2002. Como seria o mundo agora se o fascismo fosse um vampiro.

São contos escritos desde 96 até 2022, reunidos sob a linha narrativa de um banquete sanguinolento, porque é exatamente isso que a vida é.

Por isso, não espere encontrar amor eterno, sugadas românticas e passeios de mãos dadas em direção ao caixão! Abordo o vampiro como a figura violenta, irascível, assassina, que ele é, o transformando numa grande alegoria de nós mesmos e das nossas escuridões.

Os vampiros de Festim de Sangue mostram quais são as dificuldades de manter-se na existência como um vampiro, além de passar um vermelho sangue na palavra amor: os sanguessugass são vistos aqui como um ser de paixões. Emoções intensas que derivam tanto daquilo que fazem como monstros, como das consequências dessas mesmas ações.

Um vampiro é capaz de amar?
É capaz de emoções verdadeiras?
E sentir?
Se você acredita que sim, ao longo do livro vai crer que não. E se aposta que não, tenho certeza que vai mudar de ideia! Porque dentro de nós existe exatamente um vampirinho esperando a hora de sair, nas horas mais difíceis, quando você desejar sobreviver, é a ele que recorrerá. Mas também é esse delírio febril de êxtase que espalhará vísceras nos seus sonhos mais calientes. Seja de paixões ou amores . . . Ou só: sangue.

Vamos brincar com todas essas facetas e vícios enquanto atravessamos a pós vida de personagens vívidos, cheios de contradições . . . Mas com uma fome imensa de viver. E você se surpreenderá com o quanto podemos nos parecer com eles!

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