Urucuia

Urucuia é o segundo romance de peso publicado por JH Henriques. Esse livro surge com nuances de Guimarães Rosa e Mário Palmério, de uma maneira muito diferente do que aconteceu no seu primeiro romance, Geomorfosintaxe do Riso. Urucuia é um livro mais compacto, não observador da fragmentação absoluta do texto. Urucuia é texto atemporal, vai e vem dentro do texto a história que se quer ousar, porém, não com aquela ousadia do primeiro romance. Uma ousadia que tanto atraiu como afastou os leitores desse grande escritor. Portanto, uma diferença esmagadora já se nota aqui.
Depois da eclosão de Goemorfosintaxe do Riso, um romance extrovertido e que quebrava com todas as perspectivas do romance tradicional, José Humberto Henriques, ao que se cria, dedicar-se-ia somente ao verso. A própria estrutura do primeiro romance levava a crer que assim fosse. Entretanto, a surpresa grande quando surgiu esse Urucuia. Um livro que despertou na crítica a certeza de que havia aqui uma influência grande de Guimarães Rosa. Isso se desfaz aos poucos, à medida que o leitor se deixa levar pela autenticidade e estilo desse jovem romancista. Urucuia é um livro espontâneo e cheio de grandes surpresas. Traz a espontaneidade de uma história quase convencional.
Nascido e criado em Brejo Bonito, no Alto Paranaíba, região de Minas Gerais, quase a noroeste do estado, JH Henriques se viu atado ao mesmo ambiente geográfico de Mário Palmério e João Guimarães Rosa. Entre os três, conforme mesmo é proposta de alguns críticos entendidos desse mote, essa relação acaba por performar um triângulo cujas limitações estão ligadas a esse sistema geográfico. Nada disso é casual. Há um consenso em admitir a semelhança da linguagem e a espontaneidade de algumas personagens – fator comum e preponderante entre os três escritores -, uma batalha comum deles com todo o resto do status de um mundo torneado pela substância desse mundo incomparável. Minas Gerais de um tempo desaparecido pela eclosão da tecnologia. Esses pontos em comum fazem um giro de caleidoscópio na ambientação dos três autores. Isso deveria ser ponto de partida para a análise dessas obras.
Não obstante, conhecedor profundo dos dois outros vértices desse triângulo – Um vértice em Palmério, o outro em Rosa – JH Henriques busca a sua emancipação, liberdade e estilo próprios. Sabe que consegue isso à medida que admite uma literatura de qualidade apurada, ensejada por um modo de dizer as coisas muito livre. Isso caracteriza seu estilo, aliás, diga-se de passagem, estilo que foi capaz de impressionar sobremaneira a opinião de Mário Palmério sobre a construção romanesca. Quando esta obra foi apresentada ao grande Mário Palmério, o escritor de Chapadão do Bugre e Vila dos Confins recebeu o impacto do romance e confessou que não estava a entender o tamanho e a ousadia dessa revolução atribuída a uma novidade na prosa brasileira.
JH Henriques era amigo de Mário Palmério, fato que muito o dignificava e traz louvores. Sempre se refere ao acadêmico Palmério com uma reverência saudosa e respeitosa. Ocorre que as raízes entre os dois são as mesmas, bem como são as mesmas as ligações umbilicais e telúricas entre Palmério e Rosa. Quando uma tese de doutorado se insinuar na cabeça dos sonhadores, os estudantes habilitados, esse fato não pode ser relegado, sob pena grande de se perderem as informações necessárias ao desenvolvimento da hipótese. Há que se começar pelo mais simples. A terra por onde os três trafegaram e cuspiram é a mesma. Será sempre a mesma, de tal sorte que os seis pés passam a ocupar um espaço comum. E as três cabeças que construíram e reconstruíram esse reino serão aquelas que regem esses seis pés e suas marchas que deixam rastros.
Urucuia é um romance inigualável. Um sonho mineiro que não reduz as grandes famílias a uma situação comum. Antes disso, amplia a saudação que se faz a esse mundo enorme do noroeste de Minas Gerais