Ela sempre machuca a gente. Cada vez que começo a ler, sei que estou preparado. Ao final do conto, alguma coisa vai me incomodar. Literatura é isso, incomodar pessoas, deixá-las inquietas, transtornadas. Estes personagens de Marcia, alguns sem nome, não importa, se fundem numa só pessoa: eu. Aqui estou, diante do aparelho de televisão, hipnotizado, sufocado, amarras com o mundo cortadas, o telefone mudo, cheio de teias de aranha, sem chamar e receber, porque não há para quem. Todas as fantasias sexuais oriundas da repressão das maravilhosas educações – católicas, protestantes, marxista, seja lá o que for – que recebemos. Fantasias que se tornam um todo poderoso enquanto só e desamparado em grupo. Já não sei – não sabemos – me relacionar. As pessoas se assustam com policiais mentirosos que batem à porta e juram que você estava nua quando abriu. As coisas perdem o sentido, se é que tiveram algum dia. Os significados escapam à maioria, cada vez mais massificada, incapaz de pensar, sem querer pensar, levadas a não olhar, questionar, saber. Não saber, que situação cômoda! Não falar, não ter opinião, não precisar se expor, não se dilacerar no dia a dia, dilacerar que poderia me reconstruir. As pessoas cada vez mais sós, mergulhadas em recordações, se auto satisfazendo, esquecidas que são parte de um todo e, enquanto parte desse todo, indestrutíveis no tempo e espaço. O que me maravilha é que as situações de Marcia transcendem banais histórias de gente só, da solidão em si, para se transformar numa solidão maior. Solidão essa que é trazida pela incompreensão do mundo à nossa volta. Pela nossa recusa em participar de um conjunto. Solidão que nos é imposta como vírus, com todos os meios, tecnologia e ideologia ao alcance de sistemas poderosos. Não estou diante de meros dramas neuróticos, tragédias individuais. Este ser agoniado e angustiado que percorre o livro está dentro de um mundo que o pressiona, um mundo para o qual ele não se preparou, que não sabe encarar. Daí este machucar, este raspar constante de nossa pele, este inevitável sangrento, desesperança e entrega, justificados pelo sonho e fantasia, o fogo e a fuga. Que sentido tem tudo? O que são vida e viver? Este, para mim, é o verdadeiro livro-denúncia: trabalhado, retrabalhado, político, documento. Se é que me entendem.
Ignácio de Loyola Brandão
Características do eBook
Aqui estão algumas informações técnicas sobre este eBook:
- Autor(a): Marcia de Almeida
- ASIN: B08QGTRF5N
- Editora: Codecri/Pasquim
- Idioma: Português
- Tamanho: 7453 KB
- Nº de Páginas: 190
- Categoria: Contos
Amostra Grátis do Livro
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