Segredos do Planalto: Bastidores fictícios de uma família presidencial

A filha é lésbica.

Uma combinação explosiva, que se torna ainda mais tensa porque ele, Jairo Bonamigo, é Presidente da República e só chegou ao cargo devido às estratégias desta mesma filha, Valéria. E depende dela para se reeleger.

Esta é a essência de Segredos do Planalto, ficção que toca muitos pontos da atual realidade política brasileira. Jairo venceu a eleição graças a Valéria, mas para manter os votos do seu eleitorado conservador precisa esconder a orientação sexual da filha, ao mesmo tempo em que é obrigado a engolir o preconceito, aceitando as condições que ela impõe para ajudá-lo.

Valéria comandou a estratégia de comunicação via internet, que levou o pai, deputado grosseiro e inexpressivo, ao posto mais alto da República. Sua estratégia inclui farto uso de fake news, manipulação de fatos, fotos e vídeos, fazendo da eleição um vale-tudo. Ela tem a pretensão de controlar a fúria do pai presidente contra o amor entre pessoas do mesmo sexo. Mas ajudou a colocar no comando do país um grupo que age igual ou pior que ele. Fundamentalistas religiosos brigando entre si pelo poder, em guerra permanente contra a imprensa, transformando a Bíblia em livro didático nas escolas. Em meio a isso, a relação amorosa entre Valéria e Alexandra, conturbada pelas pressões da política e da família.

São os ingredientes desta obra, escrita pelo jornalista Glauco Monteiro Wanderley, que agarra a atenção do leitor desde o princípio até o surpreendente desfecho.

O autor informa que a eleição de 2018 que levou Jair Bolsonaro ao poder foi uma fonte de inspiração, mas ressalva que a política é só pano de fundo. “É principalmente um drama familiar. É sobre pessoas, suas motivações, ações e as consequências que geram, sobretudo para elas mesmas”.

TRECHO DO LIVRO

Na campanha da reeleição, Valéria adotou como estratégia ser ainda mais agressiva no ataque aos adversários forjando vídeos com a técnica deep fake, vídeos falsos em que a imagem e a voz de alguém é inserida na de outra pessoa. Para impulsionar o pai e derrubar concorrentes, decidiu radicalizar, dando início a uma nova era de manipulação e vale tudo eleitoral.

Um estúdio secreto foi reservado para as produções. Nelas não se usava uma imagem de boa qualidade, por exemplo encenando uma entrevista em que o político dissesse uma série de aberrações. Isto é muito fácil de negar. O que a campanha de Bonamigo fez foi simular os adversários em atitudes comprometedoras, recebendo suborno, por exemplo. Foram criados roteiros e contratados atores para representar os vexames. Todos teriam sua identidade trocada digitalmente. Para dar mais veracidade, as imagens tinham que parecer captadas por câmeras escondidas. Isso comprometia ainda mais as vítimas, porque quando gravavam vídeos bem produzidos para negar, quem via desconfiava. Os comentários do público eram mais ou menos na linha de “Olha só o bandido, a câmera deu o flagrante nele, todo tentando se esconder e agora vem negar. Pra cima de mim? Acha que eu sou algum otário?”.

Um vídeo mostrou um político Vermelho abrindo o porta-malas do carro para colocação de sacos com dinheiro. Um candidato pacifista casado foi “filmado” agredindo com um tapa uma prostituta em um quarto de hotel. Quando ela ia levantar e reagir, ele apontava uma arma. Um político em ascensão foi mostrado dando um chute num cachorro que dormia deitado na rua.

Não paravam de surgir as ideias mais abusivas para desmoralizar de forma definitiva os inimigos, mas a ânsia foi tão grande que acabou desmoralizando o processo eleitoral. A guerra suja se alastrou por todas as campanhas, transbordando para eleições estaduais. Brasil afora teve vídeo de candidato a governador atropelando sem prestar socorro, abusando de criança, cheirando cocaína, negociando proteção para traficante, fazendo orgia com menores de ambos os sexos, rezando para uma estátua do capeta.