A literatura tornou-se o meio mais mirabolante de se tentar fazer com que o leitor jamais fique um capítulo sem surpreender-se, enojar-se ou se estupeficar; a poesia, na ojeriza das formas, tornou-se uma descrição rápida do maior grau de sensibilidade do homem médio contemporâneo, isto é, uma dor estomacal; a música, um arquivo, um gaveteiro ao qual os departamentos de publicidade visitam a depender do plano do cliente; o cinema, uma forma de encantar uma geração que jamais crescerá – ora entretendo com joguinhos de heróis uma parcela, ora com a lascívia e concupiscência pedante outra, os hedonistas que não precisam ganhar a vida de forma diversa; o jornalismo tornou-se a formação cívica oficial do exército de papagaios cuja única preocupação é sagrarem-se vitoriosos pelo maior número de headlines decoradas; a escola tornou-se o melhor lugar para não se estar onde se deveria; o congresso (os parlamentos têm a própria natureza de uma bruma de condensação de egos) continua sendo, somando-se aos sindicatos, o reflexo dos representantes trabalhistas de quem não trabalha; as Ongs tornaram-se a forma sofisticada de se descentralizar a corrupção; a receita não foi mais vista; o estado laico, o jeito mais lógico de islamizar o mundo; a relativização política e legislativa de gênero tornou-se a forma mais rápida de alguém ser aceito em grupos ‘cool’; a internet tornou-se o maior vício de compulsivos em marcar reuniões para se marcar uma reunião sobre vícios; as redes sociais tornaram-se, dentro do processo civilizatório, o precedente de novas formas de velhas psicopatologias; a informática tornou-se a forma mais fácil de escravizar, manipular, chantagear e despistar pessoas do futuro; os serviços de streaming ditam sutilmente a moda dos comportamentos; a fotografia não há – a pintura, pouco; a ciência fez-se carne; quando a juventude tornou-se o ideal coletivo da existência, a sabedoria, obsoleta; o direito tornou-se escrito e proliferado, infértil e oco ou a melhor forma de se descrever o oposto do que poderia garantir se se houvesse vinculado recurso ou formas de obrigação para tanto; a filosofia tornou-se arte secreta à qual as massas não acessam senão apenas por jargões de no máximo 140 caracteres. Sobre isso o que pode a arte fazer? Talvez nada, talvez muito – se não se afastar da beleza (…) a manifestação artística, por vezes, pode muito os sentidos afetar, desde que se esteja receptível a essa sublime: como na poesia, quando alguém encontra, nesse processo intuitivo e quase alquímico, o jogo certo, a combinação suficiente para expressar algo, no equilíbrio e sopesamento d’elas – as cousas que se nos chamam à vida e além -, trazendo uma descrição desse enigma do lado de sabe-se-lá-onde para o da nossa brincadeira de amontoados de símbolos, fazendo ter a existência um pouco mais de sentidos.
O Poeta quase sempre encontra, uma vez que é, além de artífice de expressões e malabarista de elocuções, um explorador por excelência: das suas excelências, das de algures, nenhures, e das de quaisquer alguéns, ninguéns e também das do aparente diminuto, do fugaz, do necessário pulsante, da falta.
É alguém que combina fragmentos do espírito sensível porque ciente de que, do que fala, quase sempre amor, não se pode apreender, não se pode medir ou calcular, não é inteligível ao cérebro ou atribuível à lucubração, conquanto se possa apontar direções, fazer lampejos por sinais de ‘remembranzas’, cartografias e esperanças do que real ou fantasiosamente se contorce, morre, germina, respira dentro de si, porque dentro do todo.
O poeta participa, ainda que em reflexo ou projeção, experiencia, faz investigações desde dólmens até pináculos, e, em relatos, traz para os seus, mesmo que em pequenas doses, síncopes de zênites, poções de breves sensações de transcendências do ser, do foi, do será e do é, concomitantemente ao tudo de um ‘para sempre’ ou de um instante.