Os Limites da Crença

“Haverá uma década em que o sobrinho chegará aos 58 anos e Manoel estará muito fraco ou mesmo morto. Manezinho não terá mais o tio lhe indicando o caminho. Por si mesmo, terá de olhar o futuro e decidir se continua no mesmo percurso ou se envereda por ruas transversais. Para isso, espelhando-se em Deus bom, o filho de Adão vai superar os limites da crença que forjaram a índole do pai.”

Em caminhada urbana e no Horto Florestal de Belo Horizonte, o adolescente Manezinho soube que só ele não havia lido a Bíblia e o Alcorão entre seus companheiros de caminhada. Seus companheiros são três velhos mecânicos, que haviam resgatado a existência quando eram cinquentões. Idade em que se aceita morrer, porque a vida não valeu a pena, ou retoma as caminhadas para arredondar um século de vida.

Nascido em 2000, Manezinho vai completar 33 anos quando o Jesus que nasceu no natal daquele ano será colocado mais uma vez na cruz, como foi a tradição durante dois milênios.

A convivência com sessentões que conectam o passado distante com futuro inimaginável leva o adolescente a buscar entendimento de o que levou seu pai, chamado Adão, a ser como é. Seria índole dele ou seria efeito do jeito como foi criado pelo pai, sem mãe? Manezinho incomoda-se, na percepção do futuro distante, com qual tipo de pai iria ser.

Pelo que ouviu na caminhada sobre a Bíblia e o Alcorão, entendeu que são escritos consolidados, já que foram referência de incontáveis gerações durante séculos e séculos. Ali poderia encontrar as respostas às perguntas que o angustiavam. Tendo facilidade de leitura, desenvolvida pelo exemplo do tio e da mãe, lê os dois livros em menos de seis meses, sem comprometer a rotina na escola.

Porém, nas contradições e paradoxos de homens e deuses, entendeu o que os velhos e suas mulheres chamam de “Deus Bonsai”. As pessoas criam deuses conforme a necessidade de cada um, a capacidade de crer de cada um. Assim, Deus é contido como a árvore é contida na bandeja, a tradicional árvore miniaturizada por meio de podas rigorosas, deficiência de água e de nutrientes, sofrimento no sol forte e controle da respiração.

Como as árvores são contidas nas bandejas, Deus é contido nos limites de crença e pessoas são tolhidas por costumes, dogmas, protocolos, racismo.

Cabe à Isabel, aos seus 17 anos e cursando engenharia ambiental, propor a alforria. inspirando-se em sua xará princesa Isabel, propõe a libertação de Deus da bandeja, levado ao solo infinito, onde vai interagir com raízes de diversas culturas, facilitando o entendimento do outro.

As igrejas voltam a ser povoadas, por pessoas de diversas origens, em comunhão, em busca do Deus bom, criador da vida. Diferente do Deus da morte, que, de tanto apreciar holocausto de animais no Antigo Testamento, começou o Novo Testamento com o sacrifício do próprio filho.

Em suas caminhadas urbanas, percorrendo os córregos submersos em tubulações escuras, visualizam como seria o mundo se tivessem acontecido dez bênçãos e não dez pragas no Egito. De todos os limites de crença já criadas pelos homens, permitem-se uma crença que tornaria o mundo melhor para toda a biodiversidade.

A humanidade poderá rever suas crenças, o cristianismo poderá rever suas tradições e deixar de cultuar o sacrifício. A salvação poderá ocorrer quando, em 2033, não houver mais o costume de condenar inocentes no lugar pecadores. A humanidade pode entender que a educação é melhor do que o castigo e o degredo. Deus pode resgatar Lúcifer e se educarem na família divina. Afinal, expulsar Lúcifer do céu não foi boa ideia. Não é no meio de pessoas rudes que se educam os seres.

É um livro que pode ser lido como lazer ou estudo literário por estudantes. É, sobretudo, para quem se permite verificar a consistência de suas crenças, a confiabilidade no objeto da crença.