Os fantasmas

César Aira em Os fantasmas (1990) conta uma fábula urbana de cunho realista e corte social ambientada nos anos 1980 argentinos, e com endereço preciso no bairro portenho de Flores, na rua José Bonifacio 2161, nas cercanias da avenida Alberdi e da rua Bonorino, onde, aliás, vive César Aira. Como de costume, esta novela do escritor nascido em 1949 em Coronel Pringles tem mais de cem páginas e é concluída com uma data precisa; neste caso, a data de 13 de fevereiro de 1987.

Ocorre que a história de Os fantasmas se desenvolve inteiramente em torno de um certo dia do ano, um dia festivo queiramos ou não em boa parte do mundo, o 31 de dezembro. E o ano não importa, embora possamos supor que seja o de 1986. Nesse dia, eles, os fantasmas, também estão em festa, a exemplo da família de chilenos que trabalha ilegalmente no país e ocupa provisória e precariamente o último andar de um prédio de luxo que está em vias de ser entregue aos seus ricos proprietários, os quais o leitor também se divertirá ao conhecer. A propósito, o leitor brasileiro deve levar em conta a escolha dos protagonistas da novela, vistos com carinho pelo narrador, à diferença de seus próprios conterrâneos argentinos, sendo que a relação entre os dois países é históricamente tensa.

Por algum motivo, que se pode intuir como relacionado ao afeto do narrador pelos operários chilenos, apenas eles e as crianças de sua família podem manter contato com os fantasmas que rondam aquele edifício. A conexão entre o sobrenatural e os pobres chilenos nesta novela é tão discreta quanto fundamental e carrega uma dimensão ritual: por causa dessa conexão, talvez, eles possam conversar; e, por essa conexão, a adolescente chilena que protagoniza a narrativa vai ter com eles numa certa noite quente de dezembro em Buenos Aires. Fica aqui, portanto, o convite para confraternizar e sentir como todos eles, fantasmas e chilenos, festejam e conversam, pensam e vivem, nascem e morrem.