OS CONTOS DE BOSCH

Dando corpo a uma ideia antiga, elaborei mais de uma vintena de textos inspirados na pintura fascinante de Jerónimo Bosch. A maioria reveste a forma de conto, geralmente muito curto. Uns poucos não contêm enredos minimamente trabalhados, constituindo reflexões breves sobre as impressões visuais recolhidas. Poderão assemelhar-se a apontamentos de reportagem.
O que chama primeiro a atenção do observador que admira a obra de Bosh é a representação pictórica do pecado e do medo escondidos no fundo das almas dos seus contemporâneos. Jerónimo Bosh gastou-se mais na descrição do perverso que na promoção do Bem. Para ele, a tolice e o pecado fariam parte da natureza humana. Há quem diga que se limitou a apontar factos, desistindo de dar conselhos. Ninguém pintou como ele o lado escuro da alma
Os seus quadros testemunham uma imaginação prodigiosa. Será o primeiro de todos os artistas fantásticos. Estranhamente, é este visionário quem melhor representa a pintura renascentista da Flandres do início do século XVI.
O artista foi beber aos pesadelos próprios e alheios, à simbologia dos alquimistas e aos textos sagrados apocalípticos. Criou figuras complexas, originais e por vezes difíceis de entender. Produziu os seus melhores quadros à volta do ano 1500.
Jerónimo Bosh é o pintor mais original da história da cultura europeia. A sua obra é absolutamente invulgar e não se parece com a de qualquer artista que o tenha precedido. Soube valer-se da estética do grotesco e até da linguagem teatral.
Bosch compôs uma alegoria da sociedade da época. Expôs os vícios e a corrupção da nobreza e revelou-nos uma Igreja corrompida e imersa no pecado. Retratou como ninguém o pecado e o castigo. Bosh foi muito melhor a pintar demónios do que a desenhar anjos. Vejam aquela maravilha de um diabo feminino a fritar um pecador… Recorreu a símbolos ambíguos do Bem e do Mal para descrever a loucura do mundo que escorregava para a perdição física e moral.
A estranheza dos seus desenhos levantou especulações. Ao tempo, existiam variadas seitas que se dedicavam às ciências ocultas. Bosh poderá ter recolhido delas alguns conhecimentos sobre os sonhos e a alquimia. Terá chegado a ser perseguido pela Inquisição.
Como os leitores irão constatar, cada conto está firmemente ligado a uma imagem inspiradora e deixaria de ter significado se ela lhe fosse amputada.