O método Geométrico em Descartes e Spinoza

Dentre os filósofos do século XVII, é no ombro de dois gigantes que podemos ver ao longe por se apoderarem de tal ferramenta, Descartes e Spinoza, ponto de partida de tantos de seus comentadores escreveram sobre a questão do conhecimento. É sobre tal discussão que lança luz este livro, num trabalho em que se veem com clareza os anos de pesquisa e longa investigação sobre o tema. Contudo, com o acréscimo de algo bastante raro dentre os estudiosos dos seiscentos: Emanuel Angelo da Rocha Fragoso não abre mão da precisão conceitual e da boa ordem, mas em vez da escrita solitariamente linear, ou ainda, em vez da precisão cirúrgica de quem lida com a reconstituição de um corpo sem vida, o autor preferiu algo que pode nos permitir mais que compreender especificamente a sua interpretação do sentido e do papel do método geométrico em Descartes e Spinoza com a peculiaridade de uma escrita que faz lembrar um estilo próprio ao trabalho que realiza, já há bastante tempo, no grupo de estudos sobre Spinoza na Universidade Estadual do Ceará – UECE, caracterizada por uma generosidade bastante singular…
Muito distante da escrita solipsista, a leitura de seu livro permite-nos sentir como se estivéssemos numa grande sala, comodamente instalados, em que conosco estão presentes os clássicos estudiosos de Spinoza e Descartes, cada um apresentando a sua descoberta e dialogando com os outros nas suas diferenças interpretativas. O autor não opta pela argumentação uníssona peculiar àqueles que apenas defendem a sua própria e única perspectiva, pelo contrário, o autor convida-nos a ouvir antes os seus célebres convidados, mostrar seus argumentos e leituras, e trazendo-os com suas próprias vozes, uma polifonia de leituras se apresenta a nós, com todas as tonalidades e ênfases e ritmos de cada um destes grandes intérpretes. Uma generosidade de espaço e tempo somente concedida por aqueles com a virtude e capacidade de saber bem ouvir ao outro, o que permite compartilhar a sua própria descoberta sem os esquecer: esta é uma característica singular há muito presente no trabalho de Emanuel Fragoso e que aqui se incorpora na forma escrita.
Esta generosidade com os outros estudiosos tem como consequência uma segunda: a generosidade para com o leitor. E aqui estamos muito distantes do pedantismo dos que falam para si mesmos ou do didatismo dos que ignoram a capacidade do leitor. O trabalho do livro faz com que estejamos acompanhados não somente dos próprios filósofos estudados, mas também de Delbos, Alquié, Gueroult, Cottingham, Abreu, Akkerman, Brunschvicg, Deleuze… E nisto reconhece-se o exaustivo trabalho do autor em manter tantos escritos à mão para que nós, leitores, pudéssemos tê-los diante dos olhos para compartilhar do diálogo que com eles o autor estabelece. O interessante é que justamente a escolha desta estratégia permite, no prosseguir de cada capítulo, informar e formar um leitor, do iniciante ao douto, nas mais tradicionais escolas interpretativas de Descartes e Spinoza, mas justamente porque forma o leitor, e, sobretudo por isso, convida-o a participar deste debate, agora sem ingenuidade ou desconhecimento do campo problemático no qual se insere a perspectiva interpretativa do próprio autor.
Que o leitor não confunda a generosidade do autor com modéstia intelectual: seu modo de escrever e pensar são tecidos numa conversa entre iguais, em que acolhe, considera e pondera o que já foi escrito, propondo-se a refletir a partir do questionamento do consagrado na tradição sem desfazer-se dela, para, ao final, mostrar os caminhos que se abrem a partir de sua própria interpretação. Permite-nos, ou ainda, nos convida a entrar neste universo de grandes pensadores com os quais conversa, todos ali, sentados e presentes, e mantém todas as referências tal como se fossem pegadas e rastros deixados ao percorrer o seu próprio caminho, permitindo ao leitor construir ainda a autonomia para com eles também conversar, e alçar também um caminho próprio.