O fim do mundo e outras histórias de beira–rio

O autor desta deliciosa coletânea de crônicas, Elias Salgado, tem raízes judaicas, nutridas na seiva da floresta amazônica. Ele não é uma planta, é um ser humano, mas é quem distribui neste livro, como a generosa força da floresta, suas lembranças para nós. Por elas, convivemos com todos os que participaram de seu crescimento, tanto o físico quanto o ético: seus pais, os amigos que acompanharam sua vida no interior e, mais tarde, na capital do estado do Amazonas. São relatos vivos, onde Elias Salgado se coloca como um nostálgico e, ao mesmo tempo, vibrante contador de histórias.
O Estado do Amazonas sempre recebeu imigrantes com fartura, tanto os que lá queriam permanecer, como para os que só queriam passar por uma aventura. Os antepassados de Elias Salgado, o narrador destas histórias, foram recebidos com a mesma autenticidade com que todos imigrantes e seus filhos o foram naquela região. Foi assim com seu pai e, antes, com seu avô – oriundo de Marrocos, entraram pelos igarapés e rios, fizeram-se parte da comunidade amazonense. Sem esquecer, nem abandonar sua origem judaica, aculturaram-se aos costumes locais. Seu pai chegou a ser candidato a prefeito da cidadezinha onde Salgado e seus irmãos cresceram. A jovem família participava de todas as atividades e, mais tarde, na capital, na incipiente Manaus, carinhosamente lembrada por ele. O menino Elias observava tudo ao seu redor naquele universo verde como uma esmeralda, e como lembra dos pormenores! Aprendia com todos – com sua babá, com vizinhos e amigos dos pais, com sua mãe – Vidinha – fonte das inúmeras narrativas aqui registradas e que soube respeitar a religião do marido, legada aos filhos. E não foi só isto que o autor herdou do seu pai: foi também a capacidade de compreender, entender a vida pelo exemplo paterno – um lutador, como tantos ali naquele rincão brasileiro, afastado dos correligionários, mas intensamente apegado à ética dos amazonenses e aos valores ditados pelo judaísmo. Amizades eram amplas, carinhosas e isentas de preconceitos, a tal ponto que um dos melhores amigos do pai era outro imigrante, de origem libanesa e que sentiu imensamente a perda do judeu. Homenageou a longa amizade deles com um obituário emocionante e esclarecedor das atividades de tantos homens de valor.(incluso no livro), como foi o seu pai.
Foi neste ambiente que Elias Salgado cresceu e se conduziu, como brasileiro e filho da terra amazonense, que é evocada nestas crônicas em todo seu esplendor hídrico e refinamentos de cidadezinhas que progridem por meio do trabalho dos seus habitantes – os ribeirinhos, os mercadores nos barcos, os comerciantes nos bazares, nos restaurantes, pensões e casas de festas, nas escolas que orientavam as crianças o melhor que conseguiam. Nestas histórias, enxergamos uma multidão colorida, com gente pobre e rica, bonita e feia, gente do bem e gente não tanto… como percebidos por Elias Salgado muitos anos depois de ter saído da infância, da adolescência, mas sem nunca ter abandonado seu rincão, que se fincou no seu coração.