Nouvelle

Li este livro de José Humberto Henriques há cerca de seis meses, quando o seu projeto gráfico nem tinha sido elaborado. O autor estava diante do livro pronto e me ofereceu o compêndio para uma leitura antecipada. Como aprecio demais esses livros desafiadores, resolvi manter a leitura do texto dentro das atenções que os livros de JH Henriques sempre exigiram. Por ser um livro denso – isso percebi logo no início da leitura -, ainda mais multipliquei a minha atenção. E todo o atrativo do romance se abriu diante dos meus olhos e dos meus outros sentidos com a presteza daqueles romances franceses do século anterior, os que ainda davam ao leitor a impressão de que ele sempre deve ser considerado criatura inteligente. A dizer de outro modo, a qualidade ia muito além do simplório.
Fiquei impressionado com a delicadeza do arranjo desse compêndio. Traz a narrativa intimista em vida de uma certa criatura no interior de Minas Gerais, precisamente ali pelos lados da Zona do Rio Doce, no nordeste do estado. Toda a trama de desenvolve com o envolvimento místico e mítico de uma rapariga que tenta se encontrar nas divisas de sua própria introspecção com o mundo. É um texto poético, pleno de condensação, embora seja um volume de fôlego. Esse livro condensa uma obra-prima inigualável.
É um livro soberbo, surpreendente. A personagem central desse livro encarna a mulher dita perfeita. Do começo ao fim do livro ela parece estar incólume às paixões, embora cause comoção a todos os demais circunstantes que se lhe atravessam os caminhos. Atende pelo nome de Letícia. E Letícia, traduzida segundo a etimologia da palavra, significa alegria. A alegria que a personagem mostra e demonstra, circula livremente dentro desse romance enorme. E justifica demais o título de Nouvelle, pois que surge a notícia e a novidade congeminadas numa única personagem cheia de muitos dolos e diferentes reações diante de uma juventude comum. Letícia é jovem. Porém, responde de maneira controversa ao mundo que a envolve. É por isso que pode ser chamada de gauche sem medo de erros.
Quando se pensa que o repertório das imagens e do estilo está esgotado, surge uma novidade que gera novos rearranjos, antepondo o texto a um bloco de mosaicos cuja construção transparece de maneira pictórica. Esse movimento de ir e vir do texto faz com que suas lições todos sejam atemporais. A linearidade da construção desparece por completo. Porém, isso não exige do leitor nenhuma ginástica para entendimento do texto. Tudo acontece de forma natural. A exigência é outra, é aquela da observação, já que esse romancista não faz concessões e muito menos se permite à queda da qualidade do texto.
A impressão que se tem, mais quando se atinge a parte mais íntima da história, é que o livro vai trazer uma enxurrada de pormenores inesperados. Que uma tragédia ou uma identificação burlesca está prestes a ser encenada. Porém, mesmo o inesperado se põe ainda mais inesperado, faz uma volta em si mesmo, redunda no simplismo de uma forma de literatura que jamais foi feita em nenhum lugar desse mundo. É o grande estilo que marca e carimba mais um romance cuja qualidade não pode ser relegada ao esquecimento.
Por isso, a irrelevância em alguns momentos do arcabouço romanesco em função do crescimento grandioso da poesia e do fundamento filosófico de um livro que só poderia ter sido criado por um gênio, perito no assunto. No meio dessa algaravia – um livro espesso, com mais de quinhentas páginas -, surge o humor simples e doce que envolve e flamba a vida de todas as personagens. Um humor sem apelos, um humor fatídico, exponencial, cheio de louvores à introspecção das reações humanas como um todo que não se parte.
Nesse Nouvelle o processo de criação vai muito além do que se poderia dizer de uma história comum, enxaguada. Estive mesmo a imaginar um nome distinto para esse volume e cheguei à conclusão de que se não fosse Nouvelle, por certo que o acordo entre título e obra estaria completamente dissoluto.