Nas entranhas do mundo

Terminada a missa rezada no convés do navio São Miguel, o menino lança um olhar doloroso para a ilha envolta em brumas, onde tênues raios de sol se lançam por entre a névoa. Esse olhar traz à tona novos sentimentos ao pequeno, que neste ato, dá adeus ao pai que parte para mais uma viagem, como tantas outras aninhadas em sua memória de criança. Esta viagem, no entanto, mudará o destino da sua família e de muitas outras da região. Uma tempestade muda planos, histórias e vidas dos ilhéus. O pai e dois de seus navios nunca mais voltarão, bem como a tripulação Todos serão tragados pela escuridão das águas. A partir desse dia Fernando entrará em um mundo de tristezas, curiosidade e esperança. Anos depois, porém, um marinheiro que aporta nas ilhas muda sua vida. O navegante, além de simpático e grande contador de histórias tem certa semelhança com seu pai, e isso vai encher seu coração de esperanças. A partir das aventuras narradas pelo marinheiro, ele sente em seu peito, a coragem e o desejo de lutar pelo que acredita.

O tempo em que viveu na ilha com o irmão, sob a proteção de um ferreiro e sua mulher, não esmoreceram seus sonhos. Ao contrário, Fernando enfrentará o mar bravio como imigrante, deixando sua querida ilha de Faial, nos Açores, para buscar riqueza no mundo novo como o pai fazia. Um mundo onde ele imagina o pai vivendo entre belas jovens. Sim, para ele, o pai, asilado na aldeia do povo meio gente meio peixe, toca sua viola para entreter as sereias que cantam e encantam todos os marinheiros. Em seus sonhos, esta aventura o levará até ele.

O navio Mandrágora parte para a América lotado de ilhéus tão sonhadores quanto ele. Enquanto os imigrantes pretendem juntar riquezas, as autoridades portuguesas desejam o controle da região sul do Brasil, ainda em disputa com Castela.Mas as coisas não acontecem como todos esperam. A viagem terminará com um naufrágio, que coloca Fernando novamente em meio ao desespero das perdas humanas e materiais. No Continente Del Rei haverá fome, lutas com os castelhanos que se autodenominavam senhores dessas paisagens e ainda a guerra com os remanescentes das tribos indígenas que habitavam a região. Sobreviver nesse meio não será fácil. Mas, será nessas condições que Fernando se tornará homem.

A barba mal dava sinais em seu rosto quando é obrigado a vestir a farda de dragão e engajar se as forças lusitanas. Como dragão participa de lutas, guerras e guerrilhas, amadurecendo ao som da trombeta e do aço. Mas foi mergulhando no solo, nas cavernas escuras que encontrou aquilo que lhe daria a fortuna que procurara na superfície. Foi o mergulho nas entranhas do mundo que lhe deu nova vida e um tempo para viver o amor. Um amor como jamais tivera.