islandeses: Conto Coleção Identidade – Vol.2

Num trem na Romênia, uma mulher viaja com destino a uma pequena cidade onde esteve há quinze anos, em que misteriosamente o tempo passava mais devagar. Em meio à fugacidade do mundo, ao sufoco dos olhos desfocados do instante, um encontro para além das palavras, e do próprio tempo, que bem poderia levar o nome de amor, parece iluminar-lhe, enfim, a busca por uma lentidão perdida.

“eu te conheço. foi o que acabei de dizer. com a eloquência aquática de um olhar. fugaz ousadia. já o desviei para o vidro à minha direita, que me abre a claridade do campo de girassóis romenos, amansada por um céu prateado por demão sóbria. um tipo de céu que não se captura em geometrias fofas. desnorteados os girassóis se vistos de perto, daqui tão serenos, na sua simples e dandinante amarelitude. como as pessoas, no mundo, quando, em andamento, calha de as olharmos. eu também te conheço.

ouvi bem?

essa perna descruzando brusca e as mãos fechando o livro com um som de repara em mim. the unbearable lightness of being, meio-leio o título entranhado nos dedos. dedos. há um sismo muscular com epicentro indefinido neste reconhecê-los. haverá um sismógrafo dessa natureza de abalos à minha frente, porque os dedos reconhecidos se inquietam, revelando novas letras do título. atento nele tentando a distração possível. provavelmente uma releitura, livro antigo. já o reli umas duas vezes e há muito tempo. eu sei, estou enrolando. não consigo olhar de novo, porque agora sei que estás esperando que eu olhe. chego no máximo ao teu pescoço. daí não passo. acho que estou sentindo o teu perfume. aquele que não se captura em vidrinhos fofos, aquele que depende da velocidade e temperatura com que o sangue flui nos caminhos internos. o telefone. (…)”

Este conto faz parte da Coleção Identidade. Saiba mais em www.amazon.com.br/colecaoidentidade