Francas Palavras

O que o autor Emerson Franco tem em mãos além de uma caneta afiada e algumas folhas de papel? – Talvez a matéria-prima de sua inspiração venha das próprias ruas ou da “quebrada”, como ele costuma dizer. Podemos, categoricamente, afirmar que este sobrevivente é apenas intérprete do cotidiano vivenciado por gente humilde, do sentimento de pertencimento da periferia, da desigualdade marcada pela cor, pelo endereço, pelo grau de instrução, até mesmo pelo morrer antes dos trinta, determinado pela violência provocada pelo braço armado e opressor do Estado, por meio de uma reprodução preconceituosa e sistêmica.

O próprio escritor é produto da recriação histórica da convivência com outros sujeitos inseridos na mesma condição social, ou seja, contextualiza sua mensagem no mesmo lugar da fala, e essa subjetividade que incorpora assume o papel de buscar a construção da cidadania em prol da coletividade. Esta produção é um convite a mergulhar em uma fascinante experiência sensorial, porque descreve a realidade do espaço periférico e denuncia a precariedade da qual é submetida grande parte do contingente populacional. Revela que para as pessoas que participam na edificação da cidade é recusado o seu uso e o desfruto de seus bens. O relato desta narrativa demonstra uma sociedade hierarquizada por meio da propagação de uma ideologia de domínio e subordinação. Onde as influências políticas e econômicas e a apropriação do consumo aumentam ainda mais a distância física e social, o que impossibilita o acesso de uma condição básica mínima para uma vida digna.

O produto final desta seleção textual evidencia o modo de operar do Estado inserido na lógica da pobreza dentro das periferias, que por meio da força policial e a pronta resposta da premissa de que quem deve ser contido e/ou eliminado. Sua engrenagem tem como estratégia a normatização em período permanente à condução de vida dos indivíduos no esgarçamento do tecido social. Esta obra, condensada pela influência da Sociologia, não expõe uma linguagem restrita do mundo acadêmico, pelo contrário, extrapola as formalidades metodológicas e aproxima-se da compreensão daquele a quem se oprime.
Por isso, é uma escrita que se localiza à margem do sistema, porque pensa fora dele, atende o grito dos silenciados e traz consigo traços da oralidade espontânea.

Esta coletânea de textos é fiel ao seu propósito, mas se recusa a pertencer a qualquer modelo ou tradição literária. Francas Palavras: é uma composição impregnada de inconformismo, pois subverte a ordem imposta e não estabelece padrão.

Por Antônio Gonçalves de Sousa