Filomena

Filomena nasceu. Caminhante do tempo, passageira das incertezas, no peito uma estrela de fogo, que arde e a mantém viva. Filomena resiste. Filomena: mulher, negra e pobre, resiste. Remenda sua vida — todos os dias — sob o céu de Vila Bérgamo, cidade do oeste de Santa Catarina, situada próximo as barrancas do Uruguai, colonizada majoritariamente por descentes de imigrantes italianos vindos do Rio Grande do Sul. Na tessitura do tempo Filomena segue dia a após dia, cerzindo os buracos no peito, dela e da família, vítimas do racismo e das intempéries da vida. Filomena anseia por ela. A vida, mesmo assim, lhe vira as costas muitas vezes. O tempo fere.

A sociedade de Vila Bérgamo, majoritariamente de origem italiana, tinha tradições arraigadas, costumes de seus ancestrais, nos quais a religiosidade, a moral e os bons costumes ditavam as ordens. As famílias deviam casar os filhos de maneira a manter a estirpe, a linhagem, de modo que o marido tivesse condições de sustentar a família, ter suas terras, seu gado, sua plantação; a esposa, deveria ser prendada, trabalhadora, boa cozinheira, excelente parideira e econômica, se viesse de família rica, melhor ainda. Os negros — reproduzindo a tradição de um país escravocrata — tinham seus filhos com outros negros, ou então, como no caso de Filomena, as mulheres negras — empregadas nas casas das famílias — eram estupradas e vilipendiadas por homens brancos — geralmente filhos de grandes agricultores — resultando em filhos bastardos, que passaram a compor a massa de mestiços da região.

É nesse cenário de luta e discriminação, de vozes silenciadas pela opressão de raça, de gênero e de classe, que as lembranças de Filomena são contadas. O autor consegue conduzir o leitor a uma incrível imersão pela narrativa do texto, embalado por músicas e acontecimentos históricos, onde é possível perceber as dores, as angústias, as superações e as alegrias de Filomena. É um livro lindo e necessário, que pode ser sentido e vivenciado do início ao fim!