EVANGELHO DE JOÃO: O FILÓSOFO E ESCRITOR POR TRÁS DO EX–PESCADOR

O propósito primordial deste livro é analisar a estrutura e composição do Evangelho de João, preservando as vozes que nele se encontram, momento em que anuncia o Verbo (Lógos), expressão com a qual o ex-pescador apresenta Jesus à humanidade, já no primeiro versículo.
Entendemos que o termo “Verbo” faz mais sentido se levarmos em consideração o que João quer dizer com “Lógos”, palavra que cresce em majestade na medida em que o que o próprio Jesus fala de si mesmo, aqui e no conjunto dos demais Evangelhos.
Para tornar esse diálogo com os outros Evangelhos mais fácil, este livro é composto de comentários, que buscam dar clareza aos termos e significados originais da língua e da cultura em que o Evangelho de João foi escrito, considerando também o seu ambiente histórico.
É nesse ambiente histórico que o ex-pescador escreve um Evangelho que parece ter por finalidade esclarecer dúvidas, que pairavam há dezenas de anos entre os cristãos, quando João já está com idade avançada e experiência lapidada.
Considerando a suavidade de suas afirmações ao longo do seu relato, nosso propósito é dar visibilidade a muitas informações delicadas, e que passam quase imperceptíveis no texto, como a presença constante do “outro discípulo”, que mais parece um “agente secreto”, sempre atuante nas cenas mais decisivas, na ajuda a Pedro para que este entre no palácio, no diálogo entre Jesus e Pilatos, na ressureição de Lázaro ou no pronto reconhecimento de Jesus ressurreto, a partir de um barco.
Outra, das várias peculiaridades do Evangelho de João, é o registro das falas em que Jesus se identifica fazendo alegorias de si mesmo, através dos elementos da natureza, apresentando-se como luz, água, até se chegar à “árvore” permitida (Videira), em contraposição à proibida de Gênesis.
A utilização de palavras sofisticadas e raras no texto original de João, bem como as observações minuciosas e que dão vida às cenas, como a maneira de se sentar quando conversa com a samaritana, dão ao texto de João um brilho que não se encontra nos outros Evangelhos, e quase nos transporta para dentro das cenas, o que os filósofos gregos chamaram de enargeia, que é a propriedade de dar vida ao texto.
Os diálogos registrados por João também contêm momentos de silêncio altamente expressivos, quando algum personagem fala, mesmo estando calado, o que os linguistas chamam de “fala heterológica”. O silêncio diante de Pilatos sobre o que é a verdade é um desses momentos mais impactantes. O absoluto silêncio de João a respeito do beijo de Judas pode ser um outro sinal de alerta para a importância do beijo naquela cultura. A ausência de antepassados de Jesus no seu Evangelho também é uma forma silenciosa de dizer algo de relevo monumental no texto, assim como o silêncio de Jesus em relação ao José como seu pai, em todos os Evangelhos.
Utilizando um vocabulário pequeno, metade do usado por Mateus, João é capaz de oferecer um texto refinado, temperado com nobreza e modéstia, tratando de temas centrais do cristianismo em seu início, como a humanidade de Jesus, que é apresentado como o Lógos que estava com Deus, dando ao próprio Jesus a oportunidade de esclarecer todo o significado dessa palavra ao longo do seu Evangelho.
Nesse sentido, nosso trabalho é oferecer uma leitura minuciosa do Evangelho de João pela análise da linguagem, filosofia, polimento estilístico e relato histórico, com as quais ele fala a todos, de todas as classes sociais, por meio de uma ultrassonografia do texto, dentro do seu contexto.
Isso é perceptível quando ele descreve os diálogos profundos de Jesus com Nicodemos, com a mulher adúltera ou a samaritana, bem como quando antecipa palavras do grego moderno, como quem registra propositalmente a forma descontraída de Jesus saudar os discípulos, em uma praia, expandindo a juventude do texto para os séculos seguintes.
Dessa forma, perceberemos que o Evangelho de João nunca se empobrece ou envelhece, mas só nos enobrece.