Espanta Cavalo

O
romance Espanta Cavalo trata das circunvoluções humanas e das fragilidades inerentes a cada criatura que atua nele como personagem. É livro introspectivo, que prima pela cadência sintética e pela evolução do texto de forma cabal e nada linear, tornando o autor um romancista que observa, porém, jamais se mete nas alturas e agruras da descrição romanesca. Esse romance foi construído em breve espaço de tempo, quiçá apenas um mês de escrita. Isso é comum no autor. J Humberto Henriques carrega esse dom e esse fundamento de dar ordem aos seus textos em um tempo muito curto. Isso se deve ao fato de que as histórias e seus arrabaldes acontecem sem a necessidade de uma revisão sistemática, assim, o tempo se poupa e o romance se conclui num estalar de dedos.
Espanta Cavalo narra a história da agonia de um homem de meia idade sujeito a uma chamada “dor de barriga” da qual não pode se livrar. Trata-se de uma novela, no ermo fisiológico da Literatura Clássica, que ao modo de Knut Hamsum, traz o fio da meada numa tensão grande, tal como acontece em Fome, desse mesmo autor. O romance se embrenha pela alma da personagem principal, aquela que é acometida pela doença. Uma doença sistemática, absurda, capaz de transforma e transtornar a vida toda da criatura em um desperdício de vida. Como se o restante do que é proposto para uma vida normal e sensata não valesse de fato a pena ser vivido. Em torno desta vida giram outras personagens menos importantes, mas que são suficientes para o preenchimento necessário do entrecho da novela. Tudo conduzido com a maestria do grande romancista, aquele que sabe dissolver num cadinho de poucos rumores a grandeza de uma história que precisa ser contada a qualquer custo.
Apesar de toda a monotonia que poderia ser esperada de um livro que dispões sob a forma de novela – a chamada novela literária -, isso não acontece de fato. O entrecho gira em torno de uma enfermidade que surge de repente em vida de um homem de vida comum, de crenças comuns, de vida social comum, de prazeres comuns e ralações comuns com o Universo. Porém, quando se mergulha na história, tudo se conforma em uma revelação grandiosa de estudo da alma humana e suas maneiras de se revelar nessa singeleza comentada. As personagens, diante de toda a sua maneira comum, até mesmo de seu lugar-comum, acabam por se entrelaçar de maneira secundária com as dores do primeiro revelado, aquele que demonstra que a partir das palavras de um tio chamado José Machado, se projeta adiante e revela as condições de um passado que se equilibra num fio fino de decisões.
Os critérios para julgamento de um livro como esse são muito precários diante da ampla condição que está inerente a esta construção. Personagens aviltados todos pelas condições humanas de alma e seus congêneres. A habilidade dos distúrbios, estas condições entre bem e mal, as revelações do comprometimento humano com as aberturas do ego e das alucinações que envolvem toda a estrutura existencial, tudo isso se enrola num grande novelo que o autor vai deslindando aos poucos, sempre com a ajuda do olho do leitor que se envolve na trama. Entretanto, o livro é dividido em capítulos muito curtos, fator importante para a facilitação da leitura. Espanta Cavalo nunca pretendeu ser um livro volumoso do ponto de vista da extensão de sua estrada. Ainda assim, acaba sendo muito longo.
Espanta cavalo ou espanta rolinha é o nome que se dá por aí, entre o vulgo, para a dor de barriga ou piriri. A escolha de Espanta Cavalo deve ter se baseado na sonoridade do termo para designar o que esse livro quer trazer. Esse é um livro vigoroso e o título acaba por combinar com perfeição com todo aquele projeto que se estende dentro da história, de ponta a ponta. E toda a vida da personagem é um artifício que combina com perfeição com o título. Então, esse é um termo adequado. Somente para servir essa pequena explicação para quem vai entrar nos circuitos de um livro e poderá não encontrar que justifique o termo.