Consciência líquida

Fico constrangido e um pouco tímido quando tenho de falar de mim mesmo ou de um livro que escrevi, como este, por exemplo. Tenho a sensação que estou me exibindo e enaltecendo a minha obra. Sendo assim, resolvi deixar esses comentários para os próprios personagens. Acredito que não há pessoas melhores para essa tarefa do que eles.
PERSONAGENS: O quê? Ficou louco? Tá tirando da reta? É um covarde, um covarde. Bundão, isso sim. Eu não vou falar merda nenhuma.
AUTOR: Pessoal, olha o nível. Lembrem-se que eu como autor posso deletar quem eu quiser.
UMA DAS PERSONAGENS (falando baixo): Ditador, isso sim.
AUTOR: Quem disse isso?
Silêncio total.
AUTOR: Quem começa?
UMA PERSONAGEM: Eu não gostei muito quando o autor escreveu que um outro personagem me viu peladona.
A MOÇA DOS ÓCULOS ESCUROS: Nem eu. E ainda por cima ele chupa meu personagem do Saramago.
UM DOS PERSONAGENS HOMENS (com malícia): Quem tá choupando quem?
A MOÇA DOS ÓCULOS ESCUROS: Você entendeu seu machista. Eu quis dizer que ele pegou a personagem do Saramago, A rapariga dos óculos escuros e a traduziu para o português do Brasil.
AUTOR (se defendendo): Não é bem assim. Vocês sabem. Apenas fiz uma brincadeira.
UMA OUTRA PERSONAGEM (com sacarmos): Ah, tá.
NAZARÉ: E eu, toda vez que tinha tesão por algu…
UMA PERSONAGEM: Olha a boca.
NAZARÉ: Então, como eu dizia, toda vez que eu tinha… desejo por alguma coisa, eu endurecia, por várias horas ou dias, feito um pedaço da pau. É muita maldade desse escritor.
LUI: Conforme-se minha filha. Eu fiquei atrelada literalmente com a minha filha, pelo cordão umbilical, até uns quarenta e poucos anos.
UMA PERSONAGEM: Que nojo
NIC: Sem falar que ele repete muito a palavra “estranho”.
JU: Também achei isso estranho.
A Dra. M.: ?
OUTRA PERSONAGEM: Eu fiquei chorando na história inteirinha. E ainda por cima, não tinha nome.
LUCAS: Pai que era serial killer. Filho que matou o pai. Pessoas crucificadas em trilhos de trens. Um povo que matou sua deusa. Acho que este escritor tem problemas psicológicos. Sem falar nas viagens no tempo, em que os personagens ora são homens, ora são mulheres, à vezes crianças.
PIET: Uma boa terapia acho que o ajudaria muito.
AUTOR (já irritado): Gente, se eu dependesse de vocês para vender meu livro, eu tava fod…
O ANJO: Olha a boca.
AUTOR (continuando) … eu tava… perdido. Obrigado assim mesmo (com raiva).