Canto Cego

Desde sempre, da infância ao presente e ao infinito, fascinam-me o fantástico, o oculto, o sobrenatural, o abstrato, o insólito, luz, sombras, escuridão e mistérios – tudo que transcende perspectivas comuns e previsíveis. Inimaginável crer que a vida em sua dimensão cósmica e todos os poderes que converge e que dela eflui resultam unicamente de combinações moleculares, de reações químicas, de mecanismos fisiológicos, do acaso biológico, do mero funcionamento de maquinários e sistemas materiais que, mortos, simplesmente deixam, eternamente, de existir e reverberar. Mágico… é o que os entes humanos são capazes de irradiar, a partir do seu corpo-casa-templo-mundo; de criar, por meio dos sentidos e sentimentos, da ciência, da arte, da literatura, dos engendros e tramas ficcionais, da sua esplêndida energia… da poesia. Assim, nada pode ser reduzido ao reles impossível; tudo existe; afaga ou apavora; nasce, vive e se refaz. No alto da pira mortuária a Fênix renasce das próprias cinzas. E tudo deve ser dito, esbravejado se preciso, sem medo, retas, rédeas ou pudores, com fome e sede sem fim, jamais encapsulado, lá nas tontas alturas, em voo livre, com assombrosa propulsão, vertiginosa paixão. Aqui a música feliz ou plangente. Em mim, como em você, moram anjos e demônios. Talvez animal, poesia visceral; às vezes sem ética, poesia imagética. Neste livro, como de hábito, as páginas são loucas. Há riso e pranto, árvores que planto, plantas que rego, flores que nascem, folhas que caem, na relva e até no mais ínfimo canto cego.

O Autor