Artes & manhas

Todos estão carecas de saber que em um mundo globalizado e competitivo, a poesia não tem, propriamente, uma função definida. Ela é inútil, não se constituindo em encargo ou serviço e a sua inutilidade atravessa regimes políticos diversos bem como diferentes economias e sistemas produtivos ao longo do tempo.

A poesia também enfrenta a crise do nosso tempo gerada pelas novas tecnologias e pela incorporação das novas linguagens da publicidade e da propaganda, agregando os recursos da piada e o humor, refletindo assim a sua sociedade e sua época.

Artes & Manhas, é, sem dúvidas, o reflexo de uma época e incorpora uma experiência minimalista na tentativa de mostrar que o menos é mais, como o foi o livro Microcontos, de Kleber Torres, publicado recentemente pela Amazon.

Cabe lembrar que “o maior em lugar do menor”, foi proposto por James Joyce, no livro de poesia Giacomo Joyce e que se revela como um contraponto diante da dimensão soberba de Ulisses, uma conturbada viagem literária ao complexo universo da ficção, terminando num sim.

Em Artes & Manhas tudo começa com uma apresentação irreverente e prazerosa, prosseguindo em diagnóstico do óbvio, mesmo diante destes tempos pandêmicos em que as pessoas estão isoladas e à mercê de um vírus assassino, o qual nos coloca diante do dilema da finitude que se compara com o ocaso, quando o sol se põe diante dos nossos olhos ao entardecer precipitando a chegada da noite com seus mistérios.

O livro nos faz ver o que Fernando Pessoa constatou ao considerar o poeta um fingidor e nos coloca diante do enigma de Einstein ao resolver de forma inusitada a equação do E=mc2, mas sem solucionar nossos problemas cotidianos e dramas existenciais, nem a questão da fome e nem o poema de protesto diante da demagogia, afinal, regimes políticos totalitários têm, muitas vezes, o poder de explicitar a capacidade de resistência da poesia e dos poetas, mas não chegam efetivamente a alterar a função da poesia. Eles censuram a foto, mas não evitam a caricatura ou a metáfora e nem a piada zombeteira e nem sempre politicamente correta.

Artes & Manhas nos remete a uma questão: “Uma rosa é uma rosa?” e, talvez, tenha uma função no quadro das artes e da cultura: a de ser uma manifestação inútil como proposta na teoria absoluta do inutensílio, de Paulo Leminski, com a constatação de que a poesia não tem valor de troca.

“The rose is obsolete / but each petal ends in an edge…”, versos que iniciam o poema “The Rose”, publicado no livro experimentalista “Spring and All“, de William Carlos Williams (1923), constata que a rosa é obsoleta e cada pétala termina num numa borda, findando num abismo, ou seja, num limite extremo e poesia é um desses limites extremos, que — ao mesmo tempo — fascina e aborrece a todos nós.

O livro evidencia que há dois movimentos distintos e complementares que levam a poesia para uma situação extrema: primeiro, o movimento do mundo real, que a expulsa de seu círculo; e, sem segundo lugar, movimento de cada poeta — que,ao cultivar tensões, afasta a poesia do lugar comum das coisas deste mundo.

O que interessa à poesia de hoje é a poesia inovadora já que na perspectiva dialética de tradição/inovação só essa poderá sobreviver, desde que inovadora também em relação aos “anticânones” forjados por movimentos ao longo do tempo e levantando questões que ninguém mais, nem mesmo a filosofia, quer se defrontar: o insucesso, a obsolescência, a violência, a morte, a impotência, à inutilidade e mesmo o isolamento social.

Todo este conjunto revela fatores que emergem como alguns dos desafios da liberdade da poesia que queira ter algum significado neste novo milênio, exigindo do artista artes & manhas até mesmo para sobreviver aos tempos de crise, de medo e da ameaça constante da morte inexorável.