A VINHA DO SENHOR Existiu n’outro tempo uma vinha piedosa Doirada pelo sol da alma de Jesus, Uma vinha que dava uns fructos côr de roza, Vermelhos como o sangue e puros como a luz. Inundavam-n’a d’agua os olhos de Maria, E os virgens corações dos martyres, dos crentes Eram a terra funda aonde se embebia A mystica raiz dos pampanos virentes. Produzia um licor balsamico, divino, Que aos cégos dava luz, aos tristes dava esp’rança, E que fazia ver na areia do destino A miragem feliz da bemaventurança. Aos mortos restituia o movimento e a falla; Escravisava a carne, as tentações, a dôr, E transformou em santa a impura de Magdala, Como transforma Abril um verme n’uma flôr. Bebel-o era beber uma virtuosa essencia Que ungia o coração de perfumes ideaes, Pondo no labio um riso ingenuo de innocencia, Como o d’agua a correr, virgem, dos mananciaes. Dava um tal explendor ás almas, tal pureza Que nos Circos de Roma até se viu baixar Diante da nudez das virgens sem defeza Ao magro leão da Nubia o curuscante olhar. II Mas passado algum tempo a humanidade inteira De tal modo gostou d’esse licor sublime, Que o extasis christão tornou-se em bebedeira, E o sonho em pezadello, e o pezadello em crime. Nas solidões do claustro as virgens inflamadas Co’as fortes atracções da mistica ambrozia Torciam-se febris, convulsas, desvairadas, Meretrizes de Deus n’uma piedosa orgia. É que no vinho antigo ia á noite o demonio Lançar co’a garra adunca uma infernal mistura De mandragora e opio e helleboro e stramonio, Verdenegro e viscoso extracto de loucura. Quando uivava de noite o vento nas campinas Via-se pela sombra, obliquo, Satanaz, Colhendo aos pés da forca ou buscando entre as ruinas Hervas, vegetações, prenhes de essencias más. Era o filtro subtil d’essas plantas de morte Que fazia da alma um derviche incoherente, Uma bussola doida á procura do norte Uma céga a tatear no vacuo, anciosamente!… E a taça do veneno estonteador e amargo No funebre banquete ia de mão em mão, Produzindo o delirio, a syncope, o lethargo E em cada olhar sinistro uma cruel visão. Uns viam a espectral sarabanda frenetica De esqueletos a rir e a dançar com furor Em torno á Morte podre, impudente, epileptica, Com dois ossos em cruz rufando n’um tambor. Outros viam chegado o pavoroso instante Em que um monstro do fogo, um dragão areolito, Dava na terra um nó c’oa cauda flammejante, Arrebatando-a, a arder, atravez do infinito. E então para fugir ao desespero e ao panico Bebiam com mais ancia o filtro singular. Até á epilepsia, ao turbilhão tetanico Do sabat desgrenhado e erotico, a espumar! E á força de beber o tragico veneno Tombou por terra exhausta a humanidade emfim, Como em Londres, de noite, ao pé d’um antro obsceno Cáe sob a lama inerte um bebado de gim. III
Características do eBook
Aqui estão algumas informações técnicas sobre este eBook:
- Autor(a): Abílio Manuel Guerra Junqueiro
- ISBN-10: 1103393340
- ISBN-13: 978-1103393343
- ASIN: B00AR1AGDI
- Editora: Library of Alexandria
- Idioma: Português
- Tamanho: 388 KB
- Nº de Páginas: 34
- Categoria: História
Amostra Grátis do Livro
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