Surpreendi-me ao ler A Valsa da Vingança, de Edvaldo Nepomuceno. Já havia lido do mesmo autor um livro de contos, de cunho regionalista, em que causos populares, quer sejam lendários, quer sejam acontecimentos reais, foram filtrados por
sua criatividade literária. Mas sempre guardando a aparência tradicional dos causos contados à noite, à beira do fogo, nas antigas fazendas. Esta obra de Nepomuceno traz uma pegada nova no contexto de sua obra. O autor/narrador alega que caiu “num terrível pasmatório” numa noite de quebrantos e aziagos durante a leitura de Gargântua e Patagruel, de François Rabelais. Apesar da referência explícita ao médico, monge e satírico renascentista Rabelais, seu texto me remeteu imediatamente a dois outros autores: Edgar Allan Poe e Frans Kafka, também precursores da literatura contemporânea, digamos, gótica. Apesar de seu texto ser em prosa, especificamente um conto, e Allan Poe ser também um mestre do gênero contístico, o texto de Nepomuceno me remeteu de imediato ao antológico poema O Corvo. Inicialmente imaginei que a ligação que fiz do conto ao poema seria porque passei anos debruçado sobre o poema de Allan Poe, numa tentativa de tradução que desse conta de verter para o português suas métricas, rimas, aliterações, onomatopeias e metáforas, com a maior fidelidade possível ao original. Sei que autores como Machado de Assis e Fernando Pessoa tentaram e o êxito não foi tão grande como em outros desafios que enfrentaram. Após passar mais de 10 anos sempre lendo e relendo o bendito poema, em buscando forma de traduzi-lo a contento, em 2017 dei por terminado. Não que eu estivesse contente com o
resultado. Mas é que eu estava ficando maluco. Procurei abstrair-me do poema narrativo gótico de Allan Poe e imediatamente passei a perceber ressonâncias com o texto de Franz Kafka, especialmente A Metamorfose. Talvez seja
também em razão de minhas obsessões pela obra do escritor tcheco. Como eu disse no início, apesar da citação de François Rabelais, acho mesmo que o escritor Edvaldo Nepomuceno sofreu a “angústia da influência” mais de Poe e Kafka do que do autor francês. Deixo para que o leitor tire sua conclusão. De modo algum quero fazer spoiler. Mas posso adiantar que se trata de um conto bem trabalhado, linguagem no capricho, com uma tensão interna extraordinária e fecho surpreendente. Nepomuceno com sabedoria e refinamento apropriou-se de um certo clima gótico, tanto de O Corvo, quanto de A Metamorfose, mas com uma intertextualidade inteligente, crítico-inventiva, filtrada pelo contexto, pelas injunções geracionais, pela experiência do autor e até pelo escanteamento geopolítico a que nós, escritores de província, somos relegados. A Valsa da Vingança é um grande e belo conto, que nada fica a dever aos grandes mestres do ofício, de qualquer época e lugar. Que venham outras pepitas dessa mesma lavra!
sua criatividade literária. Mas sempre guardando a aparência tradicional dos causos contados à noite, à beira do fogo, nas antigas fazendas. Esta obra de Nepomuceno traz uma pegada nova no contexto de sua obra. O autor/narrador alega que caiu “num terrível pasmatório” numa noite de quebrantos e aziagos durante a leitura de Gargântua e Patagruel, de François Rabelais. Apesar da referência explícita ao médico, monge e satírico renascentista Rabelais, seu texto me remeteu imediatamente a dois outros autores: Edgar Allan Poe e Frans Kafka, também precursores da literatura contemporânea, digamos, gótica. Apesar de seu texto ser em prosa, especificamente um conto, e Allan Poe ser também um mestre do gênero contístico, o texto de Nepomuceno me remeteu de imediato ao antológico poema O Corvo. Inicialmente imaginei que a ligação que fiz do conto ao poema seria porque passei anos debruçado sobre o poema de Allan Poe, numa tentativa de tradução que desse conta de verter para o português suas métricas, rimas, aliterações, onomatopeias e metáforas, com a maior fidelidade possível ao original. Sei que autores como Machado de Assis e Fernando Pessoa tentaram e o êxito não foi tão grande como em outros desafios que enfrentaram. Após passar mais de 10 anos sempre lendo e relendo o bendito poema, em buscando forma de traduzi-lo a contento, em 2017 dei por terminado. Não que eu estivesse contente com o
resultado. Mas é que eu estava ficando maluco. Procurei abstrair-me do poema narrativo gótico de Allan Poe e imediatamente passei a perceber ressonâncias com o texto de Franz Kafka, especialmente A Metamorfose. Talvez seja
também em razão de minhas obsessões pela obra do escritor tcheco. Como eu disse no início, apesar da citação de François Rabelais, acho mesmo que o escritor Edvaldo Nepomuceno sofreu a “angústia da influência” mais de Poe e Kafka do que do autor francês. Deixo para que o leitor tire sua conclusão. De modo algum quero fazer spoiler. Mas posso adiantar que se trata de um conto bem trabalhado, linguagem no capricho, com uma tensão interna extraordinária e fecho surpreendente. Nepomuceno com sabedoria e refinamento apropriou-se de um certo clima gótico, tanto de O Corvo, quanto de A Metamorfose, mas com uma intertextualidade inteligente, crítico-inventiva, filtrada pelo contexto, pelas injunções geracionais, pela experiência do autor e até pelo escanteamento geopolítico a que nós, escritores de província, somos relegados. A Valsa da Vingança é um grande e belo conto, que nada fica a dever aos grandes mestres do ofício, de qualquer época e lugar. Que venham outras pepitas dessa mesma lavra!
Características do eBook
Aqui estão algumas informações técnicas sobre este eBook:
- Autor(a): Edvaldo Nepomuceno
- ASIN: B08FCWV538
- Idioma: Português
- Tamanho: 2307 KB
- Nº de Páginas: 39
- Categoria: Contos
Amostra Grátis do Livro
Faça a leitura online do livro A VALSA DA VINGANÇA, escrito por Edvaldo Nepomuceno. Esse é um trecho gratuito disponibilizado pela Amazon, e não infringe os direitos do autor nem da editora.