A fantástica fábrica de Leite de Rosas & outras histórias de família

Todo final de mês era o mesmo estresse. Procurar linhas de crédito para não atrasar o pagamento dos salários, pagar fornecedores que não permitiam virar o mês com faturas em aberto, buscar o comprometimento dos setores para que agilizassem o fornecimento de dados para que a contabilidade pudesse encerrar o mês e divulgar o balancete no prazo previsto, tudo isso no meio daquela confusão de números controversos que precisavam ser checados e rechecados até que se tornassem confiáveis. Eu não tinha nem seis meses como diretor geral e já começava a ver um infarto como uma possibilidade de explodir meu coração. Hoje, atribuo aos momentos em que ficava sozinho, ouvindo jazz e tomando um scotch, o fato de não ter tido um piripaque sério. Às vezes não fazer nada é uma boa maneira de colocar a cabeça em ordem.

Por isso, naqueles momentos conturbados por que eu estava passando, quando a solidão e o silêncio me davam chance de pensar no que eu tinha ganhado e perdido ao longo da vida, de vez em quando me pegava devaneando sobre como teria sido minha vida se eu tivesse optado por um outro caminho. Talvez eu estivesse com menos dinheiro, mas quem sabe não me sentiria mais realizado? Não sei, só não dá para ficar culpando o destino ou a vontade de Deus pelas coisas que não aconteceram. Na verdade, eu é que devo ter trabalhado pouco para que elas acontecessem, ou fraquejado na hora de enfrentar as barras que se apresentaram. Como já disse antes, não devo ter sido forte o suficiente para impedir que acabasse sendo abduzido por uma nave chamada Leite de Rosas, e acabei me transformando no cara que sou hoje, que em alguns momentos se sente super realizado e em outros bastante frustrado.