“Os pêssegos” – Guerra Junqueiro
Os pêssegos
Um lavrador que tinha quatro filhos trouxe-lhes um dia cinco pêssegos magníficos. Os pequenos, que nunca tinham visto semelhantes frutos, extasiaram-se diante das suas cores e da fina penugem que os cobria. à noite o pai perguntou-lhes:
— Então comeram os pêssegos?
— Eu comi, disse o mais velho. Que bom que era! Guardei o caroço, e hei de plantá-lo para nascer uma árvore.
— Fizeste bem, respondeu o pai, é bom ser econômico e pensar no futuro.
— Eu, disse o mais novo, o meu pêssego comi-o logo, e a mamã ainda me deu metade do que lhe tocou a ela. Era doce como mel.
— Ah! acudiu o pai, foste um pouco guloso, mas na tua idade não admira; espero que quando fores maior te hás de corrigir.
— Pois eu cá, disse um terceiro, apanhei o caroço que o meu irmão deitou fora, quebrei-o, e comi o que estava dentro, que era como uma noz. Vendi o meu pêssego, e com o dinheiro hei de comprar coisas quando for à cidade.
O pai meneou a cabeça:
— Foi uma ideia engenhosa, mas eu preferia menos cálculo.
— E tu, Eduardo, provaste o teu pêssego?
— Eu, meu pai, respondeu o pequeno, levei-o ao filho do nosso visinho, ao Jorge, que está coitadinho com febre. Ele não o queria, mas deixei-lho em cima da cama, e vim-me embora.
— Ora bem, perguntou o pai, qual de vós é que empregou melhor o pêssego que eu lhe dei?
E os três pequenos disseram à uma:
— Foi o mano Eduardo.
Este no entanto não dizia palavra, e a mãe abraçou-o com os olhos arrasados de lágrimas.
A urna das lágrimas
Era uma vez uma viúva, que tinha uma filhinha muito linda, a quem adorava sobre todas as coisas. Não se separava dela um só momento; mas um dia a pobre pequerrucha começou a sofrer, adoeceu e morreu. A desditosa mãe, que tinha passado as noites e os dias, sem repousar um momento, à cabeceira da filha, julgou endoidecer de mágoa e de saudades. Não comia, não fazia senão chorar e lamentar-se. Uma noite em que estava acabrunhada, chorando no mesmo sítio em que a filha tinha morrido, abriu-se de repente a porta do quarto e viu-a aparecer a ela, a sua querida filha, sorrindo com uma expressão angélica e trazendo nas mãos uma urna, que vinha cheia até às bordas.
— Oh! minha querida mãe, disse-lhe ela, não chores mais. Olha, o anjo das lágrimas recolheu as tuas nesta urna. Se chorares mais, transbordará, e as tuas lágrimas correrão sobre mim, inquietando-me no túmulo e perturbando a minha felicidade no paraíso.
A pequenina desapareceu, e a mãe não tornou a chorar para a não afligir.
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)