“Figuras II – Henrique Venceslau” – Aluísio Azevedo
Figuras II
Henrique Venceslau
Acabamos neste instante de ler a notável tese do Dr. Henrique Venceslau, e é ainda sob a mais bela impressão que vamos falar desse trabalho.
Afastando-se dos processos comuns em geral empregado na elaboração desse gênero de estudo, quase sempre feitos a contragosto, para cumprir uma formalidade de curso, e quase sempre mal escritos e insuportavelmente impregnados do cheiro de banco de academia, este novo médico imprimiu à sua tese inaugural um franco desenvolvimento de obra espontânea e até certo cunho de individualidade crítica, que lhe dão especial valor.
Quis fazer uma simples tese e fez afinal um livro, que se lê com interesse de princípio a fim, graças à fina observação, e à sinceridade com que o autor acompanha todas as fases do desenvolvimento orgânico da mulher, não com a pose fria de um médico que se compraz em acachapar o leitor sob uma chuva de termos técnicos e complicados, mas com a clareza elegante de um analista literário, que se enamora do seu assunto e toma pela mão e faz carinhosamente assentar-se a seu lado a débil e feminil criatura que observa.
Não se limita porém ao drama fisiológico que tem por teatro o delicado corpo de uma mulher; drama encantador que começa com a alvorada cor-de-rosa da puberdade e vai crescendo e atravessando todo o vermelho e fecundo período catamenial, e que acaba no frio e pálido crepúsculo da menopausa; drama singelo, como a vida de urna flor, que desabotoa, e acorda e abre sorrindo para o céu as suas pétalas mimosas, e atrai com o perfume e com o brilho das suas cores o namorado inseto, portador do pólen fecundante; e que afinal, ao cair da noite, pende da haste, emurchecida e inútil, sem nunca mais erguer o colo para o sol e para o amor.
Não se limita o autor a estudar esse drama simples que é a vida das mulheres e das rosas, entra vitoriosamente pelo mundo moral, e acompanha o outro drama da constituição íntima, o drama complicado e infernal dos fenômenos psíquicos, que são a antítese daquele.
Ou muito nos enganamos, ou nesse moço observador e nesse médico comovido e talentoso que acaba de sair da academia, atirando ao público um livro que impressiona, há estofo para fazer um escritor de primeira ordem.
Esperamos que Henrique Venceslau não seja para o futuro inteiramente absorvido pela clínica e venha ainda a enriquecer a nossa ciência e a nossa literatura, dando-nos livros que instruam e deleitem ao mesmo tempo.
A sua bela tese, se é o fecho de um curso, é também o início de uma nova carreira.
Parabéns à medicina e às letras.
O Combate, 1.o de março de 1892.