“Como os cães” – Olavo Bilac

Olavo Bilac

Como os cães

— Não é possível, senhora! — dizia o comendador à esposa — não é possível!
— Mas se eu lhe digo que é certo, seu Lucas! — insistia a D. Teresa — pois é mesmo a nossa filha quem mo disse!
O comendador Lucas, atônito, coçou a cabeça:
— Oh! senhora! mas isso é grave! Então o rapaz já está casado com a menina há dois meses e ainda…
— Ainda nada, seu Lucas, absolutamente nada!
— Valha-me Deus! Enfim, eu bem sei que o rapaz, antes de casar, nunca tinha andado pelo mundo… sempre agarrado às saias da tia… sempre metido pelas igrejas.
— Mas — que diabo! — como é que, em dois meses, ainda o instinto não lhe deu aquilo que a experiência já lhe devia ter dado?! Enfim, vou eu mesmo falar-lhe! Valha-me Deus!
E, nessa mesma noite, o comendador, depois do jantar, chamou à fala o genro, um moço louro e bonito, dono de uns olhos cândidos…
— Então, como é isso, rapaz? tu não gostas de tua mulher?
— Como não gosto? Mas gosto muito!
— Tá tá tá… Vem cá! que é que tu lhe tens feito, nestes dois meses?
— Mas… tenho feito tudo! converso com ela, beijo-a, trago-lhe frutas, levo-a ao teatro… tenho feito tudo…
— Não é isto, rapaz, não é somente isso! o casamento é mais que alguma coisa! tu tens de fazer o que todos fazem, caramba!
— Mas… não entendo…
— Ó homem! tu precisas… ser marido de tua mulher!
—… não compreendo…
— Valha-me Deus! tu não vês como os cães fazem na rua?
— Como os cães?… como os cães?… sim… parece-me que sim…
— Pois, então? Faze como os cães, pedaço de moleirão, faze como os cães! E não te digo mais nada! Faze como os cães!…
— E, ao deitar-se, o comendador disse à esposa, com um risinho brejeiro:
— Parece que o rapaz compreendeu, senhora! e agora é que a menina vai ver o bom e o bonito…

***

Uma semana depois, a Rosinha, muito corada, está diante do pai, que a interroga. O comendador tem os olhos esbugalhados de espanto:
— Que, rapariga? pois então, o mesmo?
— O mesmo… ah! é verdade! houve uma coisa que até me espantou… ia-me esquecendo… houve uma coisa… esquisita…
— Que foi? que foi? — exclamou o comendador — que foi?… eu logo vi que devia haver alguma coisa!
— Foi uma coisa esquisita… Ele me pediu que ficasse… assim… assim… como um bicho… e…
— E depois? e depois?
— E depois… depois… lambeu-me toda… e…
—…e?
—… e dormiu!

Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)