“Branca de Neve” – Guerra Junqueiro

Guerra Junqueiro

Branca de Neve

Era uma vez uma rainha, que se lastimava por não ter filhos. Um dia de inverno, enquanto bordava num bastidor de ébano olhando de vez em quando pela janela, para ver cair os flocos de neve no chão, distraída, picou-se num dedo e saiu uma gota de sangue.
— Como eu desejaria ter uma filha, que tivesse uns beiços tão vermelhos como este sangue, uma pele branca como esta neve, e uns cabelos negros como este ébano.
Algum tempo depois os seus desejos realizaram-se, e deu à luz uma filha, que tinha uma linda boca vermelha, cabelos negros e o corpo tão branco, que lhe chamavam Branca de Neve. Porém esta feliz mãe não gozou muito tempo da sua felicidade. Morreu, e o rei tornou a casar com uma mulher de uma grande beleza, e de um orgulho não menos extraordinário. Era tão formosa que se considerava a mulher mais perfeita do universo. Algumas vezes fechava-se no seu quarto, e colocando-se diante de um espelho mágico dizia-lhe:
— Meu fiel espelho, responde-me: qual é a mulher mais linda que há no mundo?
— És tu, respondia o espelho.
No entanto Branca de Neve crescia, e de dia para dia se tornava mais formosa. Tinha apenas sete anos, e já ninguém a podia ver sem ficar maravilhado. Um dia a orgulhosa rainha, sentando-se diante do seu espelho, disse-lhe:
— Meu fiel espelho, responde-me: qual é a mulher mais linda que há no mundo?
— Não és tu, não és tu. Branca de Neve é mais linda.
A estas palavras a orgulhosa rainha sentiu no coração uma dor aguda, como uma punhalada, e ao mesmo tempo sentiu um ódio mortal pela inocente Branca. Não podia sossegar nem de dia, nem de noite. Para satisfazer o seu ódio, chamou um criado, e disse-lhe:
— Quero que Branca desapareça. Conduze-a à floresta, mata-a, e, para me provar que as minhas ordens foram executadas pontualmente, traze-me o coração.
O criado levou Branca para o fundo da floresta, pegou numa faca, e dispunha-se a executar a ordem que recebera. A pobre criança chorava e lamentava-se, e pedia-lhe que a não matasse, porque ela não tinha feito mal a ninguém, e queria viver. O criado, comovido com aquelas lágrimas, não teve coragem, e abandonou-a na floresta, pensando que se as feras a devorassem a culpa não era dele, mas sim da rainha. Assim fez, e para mostrar o coração de Branca à rainha, matou um cabrito, e tirou-lhe o coração. A rainha ao ver aqueles despojos sangrentos ficou contentíssima, e disse consigo: Enfim, morreu a minha rival, e nenhuma mulher no mundo é tão bela como eu.
]A pobre Branca, abandonada na floresta, não tinha morrido, mas estava cheia de medo. Pela primeira vez na sua vida punha os pés nas pedras, e andava pelo meio do mato que lhe rasgava o vestido, e pela primeira vez também via animais ferozes. Mas as feras não lhe faziam mal algum, o deixavam-na andar. No fim do dia tinha atravessado sete montanhas.
À noite chegou ao pé de uma casinha muito pequenina. Estava morta de fome e de sede. Entrou na casa, onde tudo estava muito arranjado e muito limpo. Havia uma mesa pequena, e sobre a mesa, coberta com uma toalha de brancura irrepreensível, sete pratos pequenos, sete garrafas pequenas, e ao longo da parede sete camas muito pequeninas. Branca comeu um pouco do que estava nos pratos, bebeu uma gota de vinho de cada copo, deitou-se na cama, rezou, e adormeceu profundamente.
Momentos depois os donos da casa entraram. Eram sete mineiros pequeninos, cada um com uma lanterna dependurada na cintura. Viram logo que tinham gente em casa. Um deles disse:
— Quem comeu o meu pão?
E os outros sucessivamente:
— Quem pegou no meu garfo?
— Quem comeu o meu caldo?
— Quem bebeu o meu vinho?
E enfim um deles:
— Quem está aí deitado na minha cama?
Reuniram-se todos à roda do pequeno leito em que dormia Branca. à luz das lanternas viram o doce rosto da criança, que dormia tranquilamente, e afastaram-se sem fazer bulha, para a não acordar. Branca no dia seguinte de manhã ficou um pouco assustada, quando viu perto de si aqueles sete anões das montanhas. Mas eles disseram-lhe com brandura, que não tivesse medo, e perguntaram-lhe de onde vinha, e como se chamava. Branca contou a sua triste história, e os anões disseram-lhe:
— Queres tu ficar conosco, para tomar conta da nossa casa?
— Da melhor vontade, respondeu Branca, completamente sossegada.
Começou logo o seu serviço, e continuou-o regularmente todos os dias. Limpava os móveis, e fazia o jantar. Os anões iam trabalhar para as minas de ouro e de diamantes, e quando voltavam achavam tudo em ordem.
Durante esse tempo a rainha andava satisfeita, quando pensava que já não tinha que recear uma rival. Sentou-se outra vez diante do seu espelho, e disse-lhe:
— Meu fiel espelho, não é verdade que eu sou agora a mulher mais linda que há no mundo?
E o espelho respondeu:
— Sim, nos teus palácios e nos teus castelos, mas Branca está nas sete montanhas, e Branca é mais linda do que tu.
Ouvindo esta resposta a orgulhosa rainha, sentiu de novo um golpe cruel, e determinou tornar a fazer desaparecer a inocente Branca. Mas de que modo? Uma manhã partiu disfarçada em vendedeira ambulante, com um cesto cheio de objetos de fantasia. Foi direita às sete montanhas, e bateu à porta da casinha, gritando: “Quem quer comprar bonitas joias?”
Os anões tinham recomendado a Branca que desconfiasse das caras estranhas, receando os emissários da rainha, e ela tinha prometido ser prudente. Mas, quando viu as lindas coisas que a vendedeira tinha no cesto, esqueceu-se das suas promessas.
— Veja este rico colar, minha menina, eu mesmo lho vou por ao pescoço.
Branca consentiu, e a rainha estrangulou-a, e foi-se embora. Quando os anões voltaram, viram a infeliz Branca estendida no chão e completamente inanimada. Arrancaram-lhe o colar, e deitaram-lhe nos lábios algumas gotas de um licor amarelo. Branca começou a respirar, voltou a si pouco a pouco, e contou aos seus bons amigos o que lhe tinha acontecido.
— Podes estar certa, disseram-lhe eles, que essa vendedeira não era outra pessoa, senão a tua inimiga, a rainha. Toma cautela, não deixes entrar aqui ninguém, quando não estivermos em casa.
Ao entrar no seu palácio toda contente, colocou-se a rainha diante do espelho, e disse-lhe:
— Meu fiel espelho: Qual é agora a mulher mais linda que há no mundo?
Responde.
E o espelho respondeu:
— És tu nos teus grandes palácios e nos teus castelos, mas Branca está nas sete montanhas, e Branca é mais linda do que tu.
A rainha enfureceu-se, e resolveu mais uma vez tentar aniquilar a infeliz Branca. Tornou-se a disfarçar em vendedeira. Chegou às sete montanhas, e bateu à porta da cabana.
— Quem quer comprar lindas joias? Branca veio à janela, e respondeu.
— Vá-se embora, aqui não entra ninguém.
— Tanto pior para si, respondeu a malvada, olhe este pente de ouro. Já viu outro tão bonito?
Branca não pode resistir ao desejo de possuir aquela joia. Abriu a porta.
— Oh! minha linda menina, deixe-me pôr-lho na cabeça.
Ao dizer isto enterrou-lhe na cabeça o pente, que estava envenenado, e Branca caiu morta.
À noite quando regressaram os anões, acharam-na pálida e fria. Tiraram-lhe o pente envenenado, reanimaram-na com a sua bebida, e tornaram a recomendar-lhe que fosse prudente.
No entanto a cruel rainha voltava contentíssima para o seu palácio. Apenas chegou, foi direita ao espelho, e fez-lhe a mesma pergunta, a que o espelho respondeu como antecedentemente.
— Ah! é preciso que ela morra, ainda que para isso eu tenha de me sacrificar.
Vestiu-se de camponesa com um cesto de maçãs. Entre elas havia uma que estava envenenada de um lado. Foi, e bateu à porta da cabana.
— Quem quer comprar fruta, quem quer comprar?
— Retire-se, disse Branca vendo-a pela janela, não deixo entrar ninguém, nem compro coisa alguma.
— Está bem, não faltará quem compre estas ricas maçãs. Mas por ser tão bonita, quero dar-lhe uma.
— Obrigada, não posso aceitar.
— Imagina que está envenenada. Olhe, eu vou comer um pedaço. Ah! que boa que é! Nunca provei nada assim. Ao pronunciar estas palavras, a traidora mordia no lado da maçã, que não estava envenenado. Branca deixou-se tentar, levou à boca o outro pedaço, e caiu fulminada.
— Aí tens, para castigo da tua formosura.
Quando chegou ao palácio a rainha foi direita ao espelho, e perguntou-lhe:
— Meu fiel espelho, quem é agora a mulher mais linda?
E o espelho respondeu:
— És tu, és tu.
— Até que enfim!
Os anões estavam inconsoláveis. Debalde tinham tentado reanimá-la com o licor de ouro, e com outras bebidas ainda mais fortes. Branca continuava fria e inanimada. Choraram por ela durante três dias, e os passarinhos da floresta choraram também. No entanto as boas avezinhas não podiam acreditar que ela estivesse morta, e vendo o seu rosto tão tranquilo, as suas faces tão frescas, parecia que estava a dormir. Não quiseram enterrá-la. Meteram-na num caixão de cristal, e escreveram em cima. “Aqui jaz a filha de um rei;” puseram o caixão numa das sete montanhas, e um deles devia estar de guarda constantemente. Branca conservou-se assim durante muitos anos, sem que se notasse no seu rosto a mais pequena alteração.
Um dia um formoso rapaz, filho de um rei, tendo-se perdido ao andar à caça, viu o caixão, e pediu aos anões que lho cedessem, fosse por preço que fosse.
— Somos muito ricos, e por nada deste mundo venderemos este caixão, que é o nosso tesouro.
— Então deem-mo, já não posso viver sem contemplar este rosto de mulher. Guardá-lo-ei na melhor sala do meu palácio. Peco-lhes que me façam isto.
Os anões, comovidos, consentiram. Quatro homens pegaram no caixão para o levarem. Um deles tropeçou numa raiz, e o caixão sofreu um balanço, que fez cair o bocado da maçã envenenada, que Branca não tinha engolido, e que lhe ficara na boca. Abriu logo os olhos, e ressuscitou. O jovem príncipe levou-a para o seu castelo, e casou com ela. O casamento fez-se com grande pompa. O príncipe convidou todos os reis e rainhas dos diferentes países, e entre elas a rainha inimiga de Branca. Apenas acabou de vestir um rico vestido, que devia atrair todos os olhares, pôs-se diante do espelho, e disse a rainha:
— Meu fiel espelho, qual a mulher mais linda que há do mundo?
E o espelho respondeu:
— Branca é mais formosa que tu.
A estas palavras a rainha estremeceu, e teve tal medo que os seus crimes fossem descobertos, que morreu de repente.
Branca viveu muitos anos, adorada de todos, e no seu palácio de princesa não se esqueceu dos anões que tinham sido os seus benfeitores.

Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)