“Boa sentença” – Guerra Junqueiro
Boa sentença
Um homem rico, mas avarento, tinha perdido dentro de um alforje uma quantia em ouro bastante avultada. Anunciou que daria cem mil réis de alvíssaras a quem lha trouxesse. Apresentou-se-lhe em casa um honrado camponês levando o alforje. O nosso homem contou o dinheiro, e disse:
— Deviam ser oitocentos mil réis, que foi a quantia que eu perdi; no alforje encontro apenas setecentos; vejo, meu amigo, que recebeste adiantados os cem mil réis de alvíssaras: estamos pagos por conseguinte.
O bom camponês, que nem por sombras tocara no dinheiro, não podia nem devia contentar-se com semelhantes agradecimentos. Foram ter com o juiz, que, vendo a má fé do avarento, deu a seguinte sentença:
— Um de vós perdeu oitocentos mil réis; o outro encontrou um alforje apenas com setecentos: Resulta Daí claramente que o dinheiro que o último encontrou não pode ser o mesmo a que o primeiro se julga com direito. Por consequência tu, meu bom homem, leva o dinheiro que encontraste, e guarda-o até que apareça o individuo que perdeu somente setecentos mil réis. E tu, o único conselho que passo a dar-te, é que tenhas paciência até que apareça alguém que tenha achado os teus oitocentos mil réis.
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)