“A Raposinha Gaiteira” – Adolfo Coelho
A Raposinha Gaiteira
Era uma vez uma raposa que tinha por compadres um grou e um lobo.
Grous, são umas aves com pernas muito altas e bico comprido e que aparecem, no inverno, no Ribatejo e no Alentejo. Certo dia lembrou-se o grou de convidar a raposa para que fosse cear com ele umas papas de milho; a raposa foi mas nada pôde comer, pois o grou apresentou-lhe as papas dentro de uma almotolia e como a raposa não tivesse bico o grou comeu as papas todas. Mas, espera aí, não sabes o que é uma almotolia? Almotolia é uma espécie de garrafa feita de folha de flandres e onde se coloca azeite para servir à mesa. Ah, também não sabes o que é folha de flandres? Ora, folha de flandres é o mesmo material de que são feitas as embalagens de atum e das quais, dantes o meninos faziam barcos. Bom, mas voltemos à história: passados dias, a raposa, para se vingar, convidou o grou também para comer papas, mas desta vez comeu ela tudo, pois tinha deitado as papas numa laje e o grou não pôde comer. A raposa tomou tal fartadela que nem podia andar, e como tivesse de fazer uma viagem, pediu ao compadre lobo que a levasse às costas, pois estava muito doente. O lobo isso lhe fez e a raposa ia dizendo pelo caminho:
Raposinha gaiteira,
Farta de papas
Vai à cavaleira.
O lobo perguntava-lhe:
— Que dizes tu, comadre?
— Ai a minha barriga, ai a minha barriga — respondia a raposa.
Assim foram caminhando até que o lobo caiu no logro que a raposa lhe pregou e então, reparando que estavam perto de um poço, disse para a raposa:
— Ah! Tu assim me enganaste! Disseste-me que estavas muito doente e vais cantando pelo caminho:
Raposinha gaiteira,
Farta de papas
Vai à cavaleira.
Pois bem, fica neste poço para não me tornares a enganar.
E atirou a raposa ao poço. A raposa meteu-se dentro de um balde que estava na borda do poço para se tirar água, ora com um, ora com outro; de que se havia de lembrar a raposa?
Disse ao compadre:
— Olha, tu fizeste muito bem em me deitar ao poço, porque estão cá em baixo coisas muito bonitas; se tu queres ver, mete-te nesse balde que aí está em cima; vens ver o que cá está e depois voltas.
O lobo caiu novamente no logro; meteu-se no balde e foi abaixo; e ao mesmo tempo que ele ia descendo, vinha subindo o balde em que estava a raposa. Esta, logo que se viu em cima, disse para o lobo: “Fica para aí para não seres tão tolo que te fies nas matreirices que as mais raposas tão matreiras como eu te queiram impingir.”
E foi-se cantando pelo caminho fora:
Raposinha gaiteira,
Farta de papas
Vai à cavaleira.
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Adolfo Coelho, renomado linguista português, destacou-se no século XIX pelo estudo da língua e folclore, contribuindo significativamente para a cultura e preservação da identidade linguística de Portugal…