“A Igreja e o Rei” – Guerra Junqueiro
A Igreja e o Rei
Era uma vez um rei, que quis levantar uma igreja magnífica em honra da Virgem, decretando que ninguém nos seus estados pudesse contribuir para a obra, ainda mesmo com a mais pequena quantia. Quando o edifício se concluiu, enorme, soberbo, grandioso, mandou o rei gravar numa pedra do mármore uma inscrição em letras de ouro, que dizia que só ele, e mais ninguém, tinha levado a cabo aquela obra monumental. Mas na noite seguinte o nome do rei foi apagado da inscrição, e substituído por o de uma pobre mulherzinha do povo. O rei no dia seguinte tornou a mandar pôr o seu nome na inscrição, e de novo foi substituído pelo da pobre mulher; à terceira vez sucedeu o mesmo. O rei, cheio de cólera, ordenou então que lhe trouxessem a mulher à sua presença:
— Proibi a todos os meus vassalos, disse-lhe ele, que contribuíssem fosse com o que fosse para a edificação desta igreja; vejo que não cumpriste as minhas ordens.
-senhor, respondeu a velhinha toda trêmula, eu respeitei as vossas ordens, apesar da mágoa que sentia por não poder oferecer o meu pequenino óbolo em honra da Virgem; mas julguei não desobedecer a vossa majestade, deixando por vezes de jantar para comprar um pouco de feno, que eu levava às escondidas aos bois que conduziam as pedras destinadas à construção da igreja.
— O teu nome é mais digno do que o meu de figurar em letras de ouro na inscrição do monumento, disse-lha o rei.
Mas na noite seguinte uma mão invisível restabeleceu na lápide da igreja o nome do rei, que desde então lá se conserva ainda.
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)