“A Águia e a Coruja” – Monteiro Lobato

Monteiro Lobato

A ÁGUIA E A CORUJA

Coruja e Águia, depois de muita briga, resolveram fazer as pazes.
— Basta de guerra, disse a coruja. O mundo é tão grande, e tolice maior que o mundo é
andarmos a comer os filhotes uma da outra.
— Perfeitamente — respondeu a Águia. — Também eu não quero outra coisa.
— Nesse caso combinemos isto: de ora em diante não comerás nunca os meus filhotes.
— Muito bem. Mas como posso distinguir os teus filhotes?
— Coisa fácil. Sempre que encontrares uns borrachos lindos, bem feitinhos de corpo, alegres,
cheios de uma graça especial que não existe em nenhum outro filhote de nenhuma outra ave,
já sabes, são os meus.
— Está feito! concluiu a Águia.
Dias depois, andando a caça, a Águia encontrou um ninho com três monstrengos dentro, que
piavam de bico muito aberto.
— Horríveis bichos! — disse ela. Vê-se logo que não são os filhos da coruja.
E comeu-os.
Mas eram os filhos da coruja. Ao regressar à toca a triste mãe chorou amargamente o desastre
e foi justar contas com a rainha das aves.
— Quê? — disse esta, admirada. Eram teus filhos aqueles monstrenguinhos? Pois olha, não se
pareciam nada com o retrato que deles me fizeste…
Para retrato de filho ninguém acredite em pintor pai.
Lá diz o ditado: quem o feio ama, bonito lhe parece.

Monteiro Lobato. Fabulas. São Paulo: Brasiliense, 1972, p. 10-11.